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julho 26, 2018

TEUS SEIOS (JG de Araújo Jorge)

Teus seios quando os sinto, quando os beijo
na ânsia febril de amante incontentado,
são polos recebendo o meu desejo,
nos momentos sublimes de pecado.

E às manhãs quando acaso, entre lençois
das roupagens do leito, saltam nus,
lembram, não sei, dois lindos girassois
fugindo à sombra e procurando a luz!

Florações róseas de uma carne em flor
que se ostenta a tremer em dois botões
na primavera ardente de um amor
que vive para as nossas sensações.

Túmidos, cheios, palpitantes, como
dois bagos do teu corpo de sereia,
tem um rubro botão em cada pomo
como duas cerejas sobre a areia.

Quando os tenho nas mãos.Quantas delícias!
Arrepiam-se, trêmulos , sensuais,
e ao contato nervoso das carícias
tocam-me o peito como dois punhais!

Meu lúbrico prazer sempre consolo
na carne destas ondas revoltadas,
que são como taças emborcadas
no moreno inebriante do teu colo.

INTIMIDADE (Lílian Maial)

Dividir,
recolher semelhanças ao longo do tempo,
deixar-se ficar, sem pressa,
sobre as ondas, à deriva no vento.
Juntar os pés na cama,
escovas de dentes,
planos e roupas íntimas
no banheiro.
Partilhar o melhor pedaço,
acordar nos mesmos braços,
caminhar por sobre os passos
do outro.
Colar os corpos,
tocar as partes,
fazer da rotina uma arte,
e sentir novidade no ar.
Preencher de risos o vazio,
entender o prazer,
provocar calafrio,
apenas ao ver o rosto.
Respeitar o espaço,
riscar sem compasso
o caminho do depois
de um saboroso prato
de feijão com arroz.


TOCA MINHA PELE ASSIM (Neide Archanjo)

Toca minha pele assim: 
as costas com beijos lentos 
a nuca com lábios roxos 
as coxas com mãos noturnas. 

Nada é mais suave 
que teu cabelo solto 
aberto como asa 
sobre meu corpo. 




A CHAMA SECRETA (Denise Emmer)

Apareço nesta noite como um sol de asas
Venho dos polos desmaiados e das florestas em brasa.
Quando ardo sou uma espécie que agoniza.
Quando sorrio é porque a grande árvore floresce.

Anunciam-me os reis guardados e estamos num gueto.
Mulheres descalças de seios de vento me embalam.
Sou o beijo que elas já não pedem.
O calor de seus ventres sem enredo.
A cidade sonhada, o país estrelado, o lar aquecido,
O primeiro e o último filho.

Sou a lanterna do cão sem olhos.

Novos livros me inventam, revoluções me transformam.
Mas passo pelos corredores do mar.
Como um navio eterno.
E a minha linguagem é a beleza das estrelas.
Que atravessa os séculos.

Sou o menino sagrado que riscou o céu.
Para a paz sem riscos.

 a chama secreta que acenderá as lareiras
das casas do inverno.

DA MORTE. ODES MÍNIMAS: XXX. JUNTAS. TU E EU (Hilda  Hilst)

Juntas. Tu e eu.
Duas adagas
Cortando o mesmo céu.
Dois cascos
Sofrendo as águas.

E as mesmas perguntas.

Juntas. Duas naves
Números
Dois rumos
À procura de um deus.

E as mesmas perguntas
No sempre pasmoso instante.

Ah, duas gargantas
Dois gritos
O mesmo urro
De vida, morte.

Dois cortes.
Duas façanhas.
E uma só pessoa.

SOBRE A TUA GRANDE FACE: HONRA-ME COM TEUS NADAS (Hilda Hilst)

Honra-me com teus nadas.
Traduz me passo
De maneira que eu nunca me perceba.
Confunde estas linhas que te escrevo
Como se um brejeiro escoliasta
Resolvesse
Brincar a morte de seu próprio texto.
Dá-me pobreza e fealdade e medo.
E desterro de todas as respostas
Que dariam luz
A meu eterno entendimento cego.
Dá-me tristes joelhos.
Para que eu possa fincá-los num mínimo de terra
E ali permanecer o teu mais esquecido prisioneiro.
Dá-me mudez. E andar desordenado. Nenhum cão.
Tu sabes que amo os animais
Por isso me sentiria aliviado. E de ti, Sem nome
Não desejo alívio. Apenas estreitez e fardo.
Talvez assim te encantes de tão farta nudez.
Talvez assim me ames: desnudo até o osso
Igual a um morto.

DA NOITE II (Hilda Hilst)
II
Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençois:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível.

E o que eu desejo é luz e imaterial.

Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?

LUA NOVA DEMAIS (Elisa Lucinda)
Dorme tensa a pequena
sozinha como que suspensa no céu
Vira mulher sem saber
sem brinco, sem pulseira, sem anel
sem espelho, sem conselho, laço de cabelo, bambolê
Sem mãe perto,
sem pai certo
sem cama certa,
sem coberta,
vira mulher com medo,
vira mulher sempre cedo.

Menina de enredo triste,
dedo em riste,
contra o que não sabe
quanto ao que ninguém lhe disse.
A malandragem, a molequice
se misturam aos peitinhos novos
furando a roupa de garoto que lhe dão
dentro da qual menstruará
sempre com a mesma calcinha,
sem absorvente, sem escova de dente,
sem pano quente, sem O B.
Tudo é nojo, medo,
misturação de "cadês".

E a cólica,
a dor de cabeça,
é sempre a mesma merda,
a mesma dor,
de não ter colo,
parque
pracinha,
penteadeira,
pátria.
Ela lua pequenininha
não tem batom, planeta, caneta,
diário, hemisfério,
Sem entender seu mistério,
ela luta até dormir
mas é menina ainda;
chupa o dedo
E tem medo
de ser estuprada
pelos bêbados mendigos do Aterro
tem medo de ser machucada, medo.
Depois menstrua e muda de medo
o de ser engravidada, emprenhada,
na noite do mesmo Aterro.
Tem medo do pai desse filho ser preso,
tem medo, medo
Ela que nunca pode ser ela direito,
ela que nem ensaiou o jeito com a boneca
vai ter que ser mãe depressa na calçada
ter filho sem pensar, ter filho por azar
ser mãe e vítima
Ter filho pra doer,
pra bater,
pra abandonar.

Se dorme, dorme nada,
é o corpo que se larga, que se rende
ao cansaço da fome, da miséria,
da mágoa deslavada
dorme de boca fechada,
olhos abertos,
vagina trancada.
Ser ela assim na rua
é estar sempre por ser atropelada
pelo pau sem dono
dos outros meninos-homens sofridos,
do louco varrido,
pela polícia mascarada.

Fosse ela cuidada,
tivesse abrigo onde dormir,
caminho onde ir,
roupa lavada, escola, manicure, máquina de costura, bordado,
pintura, teatro, abraço, casaco de lã
podia borralheira
acordar um dia
cidadã.
Sonha quem cante pra ela:
“Se essa lua, Se essa lua fosse minha...”
Sonha em ser amada,
ter Natal, filhos felizes,
marido, vestido,
pagode sábado no quintal.

Sonha e acorda mal
porque menina na rua,
é muito nova
é lua pequena demais
é ser só cratera, só buracos,
sem pele, desprotegida, destratada
pela vida crua
É estar sozinha, cheia de perguntas
sem resposta
sempre exposta, pobre lua
É ser menina-mulher com frio
mas sempre nua.

GRUDE (Elisa Lucinda)
As noites que não são contigo
eu não exatamente durmo, eu rolo.
Você não há
não há desenrolar de coxas,
colchas e entremeios.
Não há dobrar de joelhos
se não para rezar.
Então semeio
uma concórdia de lençois
uma não solidão de cafunés
nos cangotes uma não masturbação.

Adormeço
Você é o cheiro que ficou de nós
eu respiro pós dos sonhos
eu latejo
eu planejo
eu oro.
As noites que não são contigo,
eu não exatamente durmo,
eu enrolo.

DESPERTA ( Maria Tereza Horta)


desperta-me
de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

é rede a tua língua
em sua teia
é vicio as palavras
com que falas

a trégua
a entrega
o disfarce

e lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lençol que desfazes

desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo

e eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.
 

OS TEUS OLHOS (Maria Tereza Horta)
Direi verde
do verde dos teus olhos

de um rugoso mais verde
e mais sedento.

Daquele não só íntimo
ou só verde

daquele mais macio
mais ave
ou vento.

Direi vácuo
volume
direi vidro

Direi dos olhos verdes
os teus olhos
e do verde dos teus olhos vício.

Voragem mais veloz
mais verde
ou vinco
voragem mais crespada
ou precipício.

 

INVOCAÇÃO AO AMOR ( Maria Tereza Horta )


Pedir-te a sensação
a água
o travo.
Aquele odor antigo
de uma parede
branca.
Pedir-te da vertigem
a certeza
que tens nos olhos
quando me desejas.
Pedir-te sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva.
na garganta
Pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios
na tua cara.
Pedir-te que me olhes
e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas.
Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas
sobre a língua.
Meu ciúme
meu perfil
minha fome.
Meu sossego
minha paz
minha aventura.
Meu sabor
minha avidez
saciedade.
Minha noite
minha angústia
meu costume.