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maio 29, 2018

COSMOCÓPULA (Natália Correia)


I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras

II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
FOI UM BEIJO (Martha Medeiros)
foi um beijo onde não importava a boca
só tuas mãos quentes me apertando pelas costas
nada estava acontecendo na minha frente
e a ansiedade que havia não era pouca
teus dedos perguntavam pra minha blusa
se meu corpo acolheria um delinquente
descoladas as línguas um instante
minha resposta saiu um tanto rouca.
PUXEI A MANGA DA CAMISA (Martha Medeiros)
puxei a manga da camisa um pouco pra cima
perto do cotovelo, e abri o botão calmamente
como se fizesse isso todo dia na tua frente
não te olhei como amiga nem professora
e não liguei para a pouca idade que tinhas
eu era mais madura e você mais coerente
tinha certeza de tudo mas não se mexia
passei a mão no teu cabelo
te beijei na testa, no queixo
beijei tua nuca e tua boca
e fui a primeira mulher nua da tua vida.
ELE PREFERE AS NÓRDICAS (Martha Medeiros)
ele prefere as nórdicas
as ricas, as putas
as filhas das tias
letradas, peitudas
alunas da puc
solteiras, taradas
mulheres pudicas
peludas, escravas
as boas de cama
mulatas, mineiras
as freiras da itália
escocesas, peladas
as bem mal-amadas
aquelas que dizem te amo
e mais nada.

maio 21, 2018

NOS TEUS GESTOS ( Joaquim Pessoa)


Nos teus gestos há animais em liberdade 
e o brilho doce que só têm as cerejas. 
É neles que adormeço, e dos teus dedos 
retiro a luz azul dos arquipélagos. 

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas. 
Os teus gestos são páginas inteiras. São 
a tua boca a namorar na minha boca, 
o cio dos séculos a saudar o tempo. 

São os teus gestos que me acordam. Gestos 
que vestem o silêncio fundo das ravinas 
e assinalam a água dos desertos. 

Os teus gestos são música. São lume. 
São a respiração do teu olhar. A seara 
de espigas que ondula no meu corpo.
 

OS AMANTES COM CASA( Joaquim Pessoa)

OS AMANTES COM CASA(
Joaquim Pessoa)

Andavam pela casa amando-se 
no chão e contra as paredes. 
Respiravam exaustos como se tivessem 
nascido da terra 
de dentro das sementeiras. 
Beijavam-se magoados 
até se magoarem mais. 
Um no outro eram prisioneiros um do outro 
e livres libertavam-se 
para a vida e para o amor. 
Vivendo a própria morte 
voltavam a andar pela casa amando-se 
no chão e contra as paredes. 
Então era a música, como se 
cada corpo atravessasse o outro corpo 
e recebesse dele nova presença, agora 
serena e mais pobre mas avidamente rica 
por essa pobreza. 
A nudez corria-lhes pelas mãos 
e chegava aonde tudo é branco e firme. 
Aquele fogo de carne 
era a carne do amor, 
era o fogo do amor, 
o fogo de arder amando-se e por toda a casa, 
contra as paredes, no chão. 
Se mais não pressentissem bastaria 
aquela linguagem de falar tocando-se 
como dormem as aves. 
E os olhos gastos 
por amor de olhar, 
por olhar o amor. 
E no chão 
contra as paredes se amaram e 
pela casa andavam como 
se dentro das sementeiras respirassem. 
Prisioneiros libertados, um 
no outro eram livres 
e para a vida e para o amor se beijaram 
magoando-se mais, até ficarem magoados. 
E uma presença rica, 
agora nova e mais serena, 
avidamente recebeu a música que atravessou de 
um corpo a outro corpo 
chegando às mãos 
onde toda a nudez é branca e firme. 
Com uma carne de fogo, 
incarnando o amor, 
incarnando o fogo, 
contra o chão das paredes se amaram 
pressentindo que 
andando pela casa bastaria tocarem-se 
para ficarem dormindo 
como acordam as aves.


ECCE  HOMO(
Ary dos Santos)

Desbaratamos deuses, procurando 
Um que nos satisfaça ou justifique. 
Desbaratamos esperança, imaginando 
Uma causa maior que nos explique. 

Pensando nos secamos e perdemos 
Esta força selvagem e secreta, 
Esta semente agreste que trazemos 
E gera heróis e homens e poetas. 

Pois deuses somos nós. Deuses do fogo 
Malhando-nos a carne, até que em brasa 
Nossos sexos furiosos se confundam, 

Nossos corpos pensantes se entrelacem 
E sangue, raiva, desespero ou asa, 
Os filhos que tivermos forem nossos.

SONETO DE MAL AMAR(
Ary dos Santos)

Invento-te  recordo-te  distorço 
a tua imagem mal e bem amada 
sou apenas a forja em que me forço 
a fazer das palavras tudo ou nada. 

A palavra desejo incendiada 
lambendo a trave mestra do teu corpo 
a palavra ciúme atormentada 
a provar-me que ainda não estou morto. 

E as coisas que eu não disse? Que não digo: 
Meu terraço de ausência    meu castigo 
meu pântano de rosas afogadas. 

Por ti me reconheço e contradigo 
chão das palavras mágoa joio e trigo 
apenas por ternura levedadas.
 

DESESPERO (
Ary dos Santos)

Não eram meus os olhos que te olharam 
Nem este corpo exausto que despi 
Nem os lábios sedentos que poisaram 
No mais secreto do que existe em ti. 

Não eram meus os dedos que tocaram 
Tua falsa beleza, em que não vi 
Mais que os vícios que um dia me geraram 
E me perseguem desde que nasci. 

Não fui eu que te quis. E não sou eu 
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto, 
Possesso desta raiva que me deu 

A grande solidão que de ti espero. 
A voz com que te chamo é o desencanto 
E o esperma que te dou, o desespero.

SAUDADE DO TEU CORPO(António Patrício)

Tenho saudades do teu corpo: ouviste 
correr-te toda a carne e toda a alma 
o meu desejo – como um anjo triste 
que enlaça nuvens pela noite calma? 
Anda a saudade do teu corpo (sentes?) 
Sempre comigo: deita-se ao meu lado, 
dizendo e redizendo que não mentes 
quando me escreves: "vem, meu todo amado." 
É o teu corpo em sombra esta saudade. 
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra: 
a luz do seu olhar é escuridade. 
Fecho os olhos ao sol para estar contigo. 
É de noite este corpo que me assombra. 
Vês?! A saudade é um escultor antigo!

O SEXO (
Orlando Neves)

Neste corpo, a densa neblina, quase um hábito, 
lentamente descida, sedimento e sede, 
subtilmente o acalma. Ancora que se desloca, 
movediça e infirme. Só no olhar, além 

da luz e da cal, se distinguem os desejos 
e a mestria das palavras. E não há remos 
nem astros. Convido a neblina a esta 
mesa de chumbo, onde nada levanta o fogo 

solar ou os signos se alteiam. É a hora 
em que o corpo treme e a sombra lavra as frouxas 
manhãs. O que serão as tardes, sob a névoa, 

quando o vigor agoniza e o vão das águas abre 
o caos e os ecos? Estaremos em paz, 
usando a palavra, última herdeira das areias.

AMOR PACÍFICO E FECUNDO (
Rabindranath Tagore)

Não quero amor 
que não saiba dominar-se, 
desse, como vinho espumante, 
que parte o copo e se entorna, 
perdido num instante. 

Dá-me esse amor fresco e puro 
como a tua chuva, 
que abençoa a terra sequiosa, 
e enche as talhas do lar. 
Amor que penetre até ao centro da vida, 
e dali se estenda como seiva invisível, 
até aos ramos da árvore da existência, 
e faça nascer 
as flores e os frutos. 
Dá-me esse amor 
que conserva tranquilo o coração, 
na plenitude da paz! 
(Tradução de Manuel Simões)
 

A MULHER INSPIRADORA
(Rabindranath Tagore)

Mulher, não és só obra de Deus; 
os homens vão-te criando eternamente 
com a formosura dos seus corações, 
e os seus anseios 
vestiram de glória a tua juventude. 
Por ti o poeta vai tecendo 
a sua imaginária tela de oiro: 
o pintor dá às tuas formas, 
dia após dia, 
nova imortalidade. 
Para te adornar, para te vestir, 
para tornar-te mais preciosa, 
o mar traz as suas pérolas, 
a terra o seu oiro, 
sua flor os jardins do Verão. 
Mulher, és meio mulher, 
meio sonho. 
(Tradução de Manuel Simões)

maio 19, 2018

BLUES PARA BIA (Chico Buarque)
Eu fiz este blues pra Bia
Mas Bia não vem me ouvir
Não vou censurar a bela
É da natureza dela
Viver solta por aí.

Compus doce melodia
Pra ela se enternecer
Rimei com melancolia
Meu dia a dia sem Bia
Mas Bia não quer saber.

Vai ver que nem imagina
Que estou a me insinuar
Talvez ela dê risada
Talvez fique encabulada
Talvez queira me avisar.

Que no coração de Bia
Meninos não têm lugar
Porém nada me amofina
Até posso virar menina
Pra ela me namorar.