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agosto 28, 2017


Vem só,
Rasgando as 
Cortinas da noite branca,
Por dentro da neve,
Trazer-me o amanhecer.
Reencontrar a paixão, 
Perdida no silêncio do olhar,
No meio das tempestades de areia e vento.
Vem só,
Com os teus cabelos de anjo,
Consumir as horas

Que deixei nos teus lábios,

Nas tuas palavras de lume e de seda.
Perder-me no teu corpo de mar,
Esculpido nas rochas,
Que nunca conheceu o jardim das trevas.
Vem,
Rompendo o silêncio da noite,
Descendo os degraus 
De uma escada sem fim,
Mostrar-me o amor dos paraísos perdidos.
Ouvir cantar o pássaro das estrelas,
Embarcar neste barco que parte,
Ninguém sabe para onde.
Quero regressar a ti, 
Com a primeira pedra 
Do tempo dos sonhos, 
Para que lhe toques e sintas
Que já podes secar as lágrimas.
E na doçura das palavras murmuradas, 
Trocaremos fantasias, assassinamos o tempo,
Com medo que deixe de ser nosso.
Vim só, 
Pelos caminhos que percorríamos 
Ao fim da tarde, 
Com a desculpa de nos termos perdido,
A pensar que um dia as tuas lágrimas
Caíram pela terra e chamaram pelo meu nome.
Aproxima-se um vento de bruma,
E as linhas do teu corpo, fechadas na moldura,
Por vezes, têm o sabor da eternidade.
(Paulo Eduardo Campos)



EU-MULHER (Conceição Evaristo)


Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.


DE MÃE ( Conceição Evaristo )

O cuidado de minha poesia
Aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida.
.
A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo.
.
Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.

Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
de minha fala






O  ÊXTASE (Paul  Éluard)
Encontro-me em face desta paisagem feminina
Como uma criança diante do fogo
Sorriso pairante e com lágrimas nos olhos 
Perante esta paisagem em que tudo ressoa em mim 
Em que espelhos há que se embaciam e outros se iluminam 
Reflectindo dois corpos nus nas fases do tempo uníssonos. 
As razões de me perder são imensas 
Sobre esta terra sem trilhos e sob este céu sem horizonte 
Belos motivos que ontem desconhecia 
E que nunca vou esquecer 
Belas chaves dos olhares chaves nascendo de si mesmas 
Perante esta paisagem onde a natureza é minha 
Diante deste fogo primeiro fogo 
Trave mestra de todos os motivos de encanto 
Estrela identificada sobre a terra 
E sob o céu que está fora do meu coração e dentro dele 
Segundo botão em flor primeira folha verde 
Que o mar cobre com suas asas 
E o sol no cômputo final de nós provindo
Eu estou perante esta paisagem feminina 
Como um ramo deitado ao fogo ardendo.
(tradução de Maria Gabriela Llansol)
Tu nunca hás-de entender o tamanho das noites 
em que gastei tudo o que havia 
por dentro dos meus olhos 
os rios que de ti desaguaram sempre 
nas minhas veias
eu não sabia 
ou talvez já o tivesse esquecido 
como podem ser mortíferas as cinzas 
das palavras que um dia tiveram asas
e ainda mais mortíferas as garras 
que nos destroem com os pequenos medos quotidianos 
a que não podemos escapar 
porque as sílabas da paixão são sempre 
os primeiros objectos a serem retirados do quarto 
para que tudo regresse à prateleira certa 
e de manhã a poeira nos vista 
tranquilamente 
como um hábito
e foi por isso que nessas noites morri muitas vezes 
enquanto as secretas palavras de adeus alastravam 
pela foz do teu desejo 
e a minha pele se despia 
vagarosamente 
da tua.
(Alice Vieira)

DA MENINA, A PIPA
(Conceição Evaristo)
Da menina a pipa
e a bola da vez
e quando a sua íntima
pele, macia seda, brincava
no céu descoberto da rua
um barbante áspero,
másculo cerol, cruel
rompeu a tênue linha
da pipa-borboleta da menina.
E quando o papel
seda esgarçada
da menina
estilhaçou-se entre
as pedras da calçada
a menina rolou
entre a dor
e o abandono.
E depois, sempre dilacerada,
a menina expulsou de si
uma boneca ensanguentada
que afundou num banheiro
público qualquer.





"O olho do sol batia sobre as roupas do varal e mamãe sorria feliz. Gotículas de água aspergindo a minha vida-menina balançavam ao vento. Pequenas lágrimas dos lençois. Pedrinhas azuis, pedaços de anil, fiapos de nuvens solitárias caídas do céu eram encontradas ao redor das bacias e tinas das lavagens de roupa. Tudo me causava uma comoção maior. A poesia me visitava e eu nem sabia…"

 *Conceição Evaristo no epígrafe de abertura do livro "Poemas da recordação e outros movimentos."

AMOR É TEU OLHAR QUE SOBE
(Armindo Trevisan)
Amor é teu olhar que sobe 
e desce torna a subir ao ramo
desce ao poço detém-se 
na água porque a sede avança 
e torna a subir em carícia 
pelo braço compraz-se 
em resvalar pelo declive 
do corpo em balanço 
como o movimento de um 
pêndulo e assim nunca 
sabes se o caminho 
para ele é ascensão 
ou simplesmente espera 
sobre um trilho de pedras 
mais do que uma ideia 
sentimento porque 
o subir e o descer crescem 
na viagem indiferentes 
ao amor até que a ames 
como se nunca a tivesses 
conhecido somente 
fora de teu alcance.
MENINA  (Conceição  Evaristo)
Menina, eu queria te compor
Em verso,
Cantar os desconcertantes
Mistérios
Que brincam em ti,
Mas teus contornos me
Escapolem.
Menina, meu poema primeiro,
Cuida de mim.
AMOR (Irene Lisboa)
Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acelerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!
Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.
Amor, tão chão de amor,
Que sensível és.
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.
Canseira eterna!
Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes,
tanto grito e pena perdida.
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti e tu de nós?

TU ( Edgardo Xavier)
Pela tua nudez
toda a glória do mundo
cabe em minhas mãos
Ardo.
Corre em mim tumultuada
uma lava ardente
que só em ti descobre rumo
e apaga o tempo.


agosto 24, 2017

A LINGUAGEM (Sara F. Costa)
há em toda a linguagem um excesso
que escorre dos ombros
quando os nossos nervos reflectem a nossa inocência
e um brilho sonolento nos separa dos sons
mantemos nas mãos todos os crimes
e na superfície das palavras deixamos um fogo salgado
a carbonizar o tempo.
é quando o paladar obscuro do silêncio rompe as lembranças
nunca nos conformamos por dentro da alucinação
nunca esgotamos o medo nem o ímpeto
porque beber o teu suor é pura adrenalina,
é soletrar a mortalidade de deus
como quem explode de êxtase
mas a linguagem é excessiva
e ter-te é apenas escrever que te tenho,
não é ter-te mesmo.

TUDO É  PAIXÃO (Joaquim Pessoa)

Assim me perguntaste, 
assim te respondi: 
tudo é paixão. 

Como não lamber 
da tua pele, o mel 
que o desejo fabrica? 

E como a minha boca 
não recolher o néctar 
da tua boca? 

Ou como não sorver 
das tuas mãos o pólen 
da ternura? 

E se, em vez de paixão, 
for sexo apenas, 
ou loucura? 

Pode até não ser amor. 
Mas, seja o que for, 
não é pior. 

PARA A MENINA (Conceição Evaristo)
Desmancho as tranças da menina
e os meus dedos tremem
medos nos caminhos
repartidos de seus cabelos.
Lavo o corpo da menina
e as minhas mãos tropeçam
dores nas marcas-lembranças
de um chicote traiçoeiro.
Visto a menina
e aos meus olhos
a cor de sua veste
insiste e se confunde
com o sangue que escorre
do corpo-solo de um povo.
Sonho os dias da menina
e a vida surge grata
descruzando as tranças
e a veste surge farta
justa e definida
e o sangue se estanca
passeando tranquilo
na veia de novos caminhos,
esperança.
ERÓTICA (Carlos Queirós)
A noite descia
como um cortinado
sobre a erva fria
do campo orvalhado.

e eu (fauno em vertigem)
a rondar em torno
do teu corpo virgem,
sonolento e morno,

pensava no lasso
tombar do desejo;
em breve, o cansaço
do último beijo.

E no modo como
sentir menos fácil
o maduro pomo
do teu corpo grácil:

ou sem lhe tocar
– de tanto o querer! –
ficar a olhar,
até o esquecer,

ou como por entre
reflexos do lago,
roçar-lhe no ventre
luarento afago;

perpassando os meus
nos teus lábios húmidos,
meu peito nos teus
brancos
       seios
              túmidos.
COMO EU NÃO POSSUO
(Mário de Sá-Carneiro)
Como eu desejo a que ali vai na rua,
tão ágil, tão agreste, tão de amor.
Como eu quisera emaranhá-la nua,
bebê-la em espasmos de harmonia e cor!

Desejo errado. Se eu a tivera um dia,
toda sem véus, a carne estilizada
sob o meu corpo arfando transbordada,
nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria.

Eu vibraria só agonizante
sobre o seu corpo de êxtases dourados,
se fosse aqueles seios transtornados,
se fosse aquele sexo aglutinante.


De embate ao meu amor todo me ruo,
e vejo-me em destroço até vencendo:
é que eu teria só, sentindo e sendo
aquilo que estrebucho e não possuo.
PROMESSA (Lília  Tavares)
Em nome da tua ausência,
pela memória dos dias longos,
pelo azul do teu olhar,
acordo em cada manhã
com vontades de madrugada.

Leves os teus passos, eu oiço,
longínqua a tua presença no coração
das coisas que entristeceram.

Sei que um dia uma grande ave
te trará no dorso, cansado de
tantas esperas, tantos muros.

Aguardo-te como sempre
recebi as tuas palavras raras
como concha, como cofre. 
Nas águas ou nos ventos em desalinho
o pó em que nos tornaram terá mãos,
e os nossos corpos por fim vão descansar.


agosto 16, 2017

LÍNGUA SOBRE A PELE (Alice Vieira)
língua sobre a pele o arrepio
os teus dedos nas escadas do meu corpo
as lâminas do amor o fogo a espuma
a transbordar de ti na tua fuga
a palavra mordida entre lençois
as cinzas de outro lume à cabeceira
da mesma esquina sempre o mesmo olhar:
nada do que era teu vou devolver.




 VESTE-ME (Fátima Guimarães)
Veste-me de mãos
fortes espessas macias
veste-me
com a tua voz
doce meiga quente
transbordante d’amor e doçura
tapa-me as feridas
os silêncios
e vazios
apaga os muros
sombras
e temores
veste-me
de beijos.

agosto 14, 2017

JORNADA DO PRAZER 
(Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior)
E aí ela falou coisas bonitas, agradáveis e gostosas de escutar
Que até parecia um beijo num bebê
Que a gente bota pra dormir e sonhar
energizou meu corpo com a luz potente do seu enorme olhar
Lambeu bem devagar minha pele como se fora um ato de purificar
Foi botando lenha na fogueira
Fome de criança
Até totalmente me excitar
Com aquela mão de seda torturando Maltratando alisando num tocando sem tocar
Subir pelas paredes, pular de cabeça, gemer, chorar, uivar, gritar
Meu Deus é bom demais e tudo azul
mamãe eu quero mais é mergulhar!
Calma meu bebê, calma, nós vamos viajar
Estrelas na cabeça, sol no peito, mel nos lábios
Cheiro de mar
Ela penetrou com a veemência que só a vida sabe ter
O doce e o sal
O bem e o mal
O fogo e o céu
No jogo da jornada do prazer.