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14/08/2017

DESAFIO ( Nuno Júdice )


Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento 
não percorre a tarde com o seu canto alucinado, 
que só os loucos pressentem, para que tu 
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores 
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites 
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém, 
para quem se decida a reconhecê-los; e os próprios 
passos encontram a direcção fácil nos sulcos  
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,  
entra nesse campo; não receies o horizonte  
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto  
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios 
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente, 
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço, 
o quarto fechado das sensações,
a respiração que a terra ouve
pelos ouvidos da treva.