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março 30, 2017

TEU CORPO DE TERRA E ÁGUA
(José  Saramago)
Teu corpo de terra e água
Onde a quilha do meu barco
Onde a relha do arado
Abrem rotas e caminho.

Teu ventre de seivas brancas
Tuas rosas paralelas
Tuas colunas teu centro
Teu fogo de verde pinho.

Tua boca verdadeira
Teu destino minha alma
Tua balança de prata
Teus olhos de mel e vinho.

Bem que o mundo não seria
Se o nosso amor lhe faltasse
Mas as manhãs que não temos
São nossos lençóis de linho.


NESTA ESQUINA DO TEMPO É QUE TE ENCONTRO
(José Saramago)
Nesta esquina do tempo é que te encontro,
Ó nocturna ribeira de águas vivas
Onde os lírios abertos adormecem
A mordência das horas corrosivas.

Entre as margens dos braços navegando
Os olhos nas estrelas do teu peito,
Dobro a esquina do tempo que ressurge
Da corrente do corpo em que me deito.

Na secreta matriz que te modela,
Um peixe de cristal solta delírios
E como um outro sol paira, brilhando,
Sobre as águas, as margens e os lírios.

NO SILÊNCIO DOS OLHOS
(José Saramago)
Em que língua se diz, em que nação, 
Em que outra humanidade se aprendeu 
A palavra que ordene a confusão 
Que neste remoinho se teceu? 
Que murmúrio de vento, que dourados 
Cantos de ave pousada em altos ramos 
Dirão, em som, as coisas que, calados, 
No silêncio dos olhos confessamos?
  

PEQUENO  COSMOS
(José  Saramago)
Ah, rosas, não, nem frutos, nem rebentos.
Horta e jardim sobejam nestes versos 
De consonâncias velhas e bordões. 

Navegante dum espaço que rodeio 
(Noutra hora diria que infinito), 
É por fome de frutos e de rosas 
Que a frouxidão da pele ao osso chega. 

Assim árido, e leve, me transformo: 
Matéria combustível na caldeira 
Que as estrelas ateiam onde passo. 

Talvez, enfim, o aço apure e faça
Do espelho em que me veja e redefina.
(Pintura de Vicente  Romero)

MANHà(José Saramago)
Altos os troncos, e no silêncio os cantos:

A hora da manhã, a nós nascida,

Cobre de verde e azul o gesto simples

Com que me dás, a tua vida.

Confiança das mãos, dos olhos calmos,

Donde a sombra das mágoas e dos prantos

Como a noite do bosque se retira:

Altos os troncos, e no alto os cantos.


março 29, 2017

ONDE  (José  Saramago)
Onde os olhos se fecham; onde o tempo
Faz ressoar o búzio do silêncio;
Onde o claro desmaio se dissolve
No aroma dos nardos e do sexo;
Onde os membros são laços, e as bocas
Não respiram, arquejam violentas;
Onde os dedos retraçam novas órbitas
Pelo espaço dos corpos e dos astros;
Onde a breve agonia; onde na pele
Se confunde o suor; onde o amor.

PALAVRAS DE AMOR (José  Saramago)
Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silêncio dê sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que a palavra ou discurso poderia
Dizer amor na língua da semente?




POEMA  SECO
( José Saramago)
Quero escusado e seco este poema, 
Breve estalar de caule remordido 
Ou ranger de sobrado onde não danço. 
Quero passar além com olhos baixos, 
Amassados de mágoa e de silêncio,
Porque tudo está dito e já me canso.



RETRATO DO POETA QUANDO JOVEM
(José Saramago)
Há na memória um rio onde navegam 
Os barcos da infância, em arcadas 
De ramos inquietos que despregam 
Sobre as águas as folhas recurvadas. 

Há um bater de remos compassado 
No silêncio da lisa madrugada, 
Ondas brandas se afastam para o lado 
Com o rumor da seda amarrotada. 

Há um nascer do sol no sítio exacto, 
À hora que mais conta duma vida, 
Um acordar dos olhos e do tacto, 
Um ansiar de sede inextinguida. 

Há um retrato de água e de quebranto 
Que do fundo rompeu desta memória, 
E tudo quanto é rio abre no canto 
Que conta do retrato a velha história.

SE NÃO TENHO OUTRA VOZ
(José Saramago)
Se não tenho outra voz que me desdobre
Em ecos doutros sons este silêncio,
É falar, ir falando, até que sobre
A palavra escondida do que penso.
É dizê-la, quebrado, entre desvios
De flecha que a si mesma se envenena,
Ou mar alto coalhado de navios
Onde o braço afogado nos acena.
É forçar para o fundo uma raiz
Quando a pedra cabal corta caminho
É lançar para cima quanto diz
Que mais árvore é o tronco mais sozinho.
Ela dirá, palavra descoberta,
Os ditos do costume de viver:
Esta hora que aperta e desaperta,
O não ver, o não ter, o quase ser.

VENHAM  ENFIM
(José  Saramago)
Venham enfim as altas alegrias, 
As ardentes auroras, as noites calmas, 
Venha a paz desejada, as harmonias, 
E o resgate do fruto, e a flor das almas. 
Que venham, meu amor, porque estes dias 
São morte cansada, 
De raiva e agonias 

E nada.
(Pintura de Vicente  Romero)




VENHO  DE  LONGE
(José Saramago)
Venho de longe, longe, e canto surdamente 

Esta velha, tão velha, canção de rimas tortas, 
E dizes que a cantei a outra gente, 
Que outras mãos me abriram outras portas: 

Mas, amor, eu venho neste passo 
E grito, da lonjura das estradas, 
Da poeira mordida e do tremor 
Das carnes maltratadas, 

Esta nova canção com que renasço.
(Pintura de Vicente Romero)




VIAJO NO TEU CORPO
(José  Saramago)
Viajo no teu corpo. Só teu corpo?
Mas quão breve seria essa viagem
Se no limite dela a alma nua
Não me desse do teu corpo a certa imagem.


março 26, 2017

METÁFORA (José Saramago)
Trago nas mãos um búzio ressoante
Onde os ventos do mar se reuniram,
E das mãos, ou do búzio murmurante,
Alastra em cor e som irradiante
A beleza que os olhos te despiram.

março 24, 2017

MELODIA  SENTIMENTAL
(Heitor Vila-Lobos  &  Dora Vasconcelos )
Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que fulge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar.

As asas da noite que surgem
E correm no espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar.

Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor.

Acorda, vem olhar a lua
Que brilha na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir teu amor e sonhar.
(Pintura:  Vicente Romero)


OLHOS COR DE MEL
      (Para os olhos de Ana Beatriz) 
(Joél  Gallinati  Heim)
Teus olhos cor de mel 
Brilhando de luz delicada 
Senti teu desejo por mim 
Provei dos teus lábios 
Sabor de pecado e prazer 
Devagar fui te descobrindo 
Na maciez de tua pele 
Passeei por seus belos seios 
Senti tuas coxas e pernas 
De encontro às minhas 
Com carícias tensas 
Aos poucos fui te descobrindo 
Teu sexo úmido procurado 
Por meu sexo duro de desejo 
E no abismo entre tuas coxas 
Quente a deslizar enfiei 
Minha lança dura de prazer 
Gemias sob os beijos gemias 
E a me espremer ias mexendo 
Quadris e sexo em ritmo lento 
Minha lança agora prisioneira 
O gozo pleno, veio em ondas 
Senti teu grito no meu sexo 
Explodi em jorros de prazer 
Inundando tuas entranhas 
Eu esvaído em gozo lá no fundo 
Meu doce leite inundava 
Tua fenda rósea, escorrendo-te 
Entre as coxas, branco sêmen.

NOSSOS CORPOS ( Noel Ferreira )

NOSSOS  CORPOS (Noel  Ferreira)
Nossos corpos
se cruzam e descruzam
como serpentes
cálidas
se enroscam
e se apertam
atarracham
num crescendo
sem limite.

Há gemidos delirantes
há percussões arrítmicas
respirações ofegantes
empastadas em suor
até ao êxtase
e ao torpor.


Não há discurso
erótico
que resista
à mudez
desta nudez
tumultuosamente
sinfônica.

março 22, 2017

POEMA DA BUCETA CABELUDA
(Braúlio  Tavares)

A buceta da minha amada
tem pelos barrocos, 
lúdicos, profanos. 
É faminta 
como o polígono-das-secas 
e cheia de ritmos 
como o recôncavo-baiano. 

A buceta da minha amada 
é cabeluda 
como um tapete persa. 
É um buraco-negro 
bem no meio do púbis 
do Universo. 

A buceta da minha amada 
é cabeluda, 
misteriosa, sonâmbula. 
É bela como uma letra grega: 
é o alfa-e-ômega dos meus segredos, 
é um delta ardente sob os meus dedos 
e na minha língua 
é lambida. 

A buceta da minha amada 
é um tesouro 
é o Tosão de Ouro 
é um tesão. 
É cabeluda, e cabe, linda, 
em minha mão. 

A buceta da minha amada 
me aperta dentro, de um tal jeito 
que quase me morde; 
e só não é mais cabeluda 
do que as coisas que ela geme 
quando a gente fode.


SUÇUARANA (Levi Bucalem Ferrari)

SUÇUARANA
(Levi  Bucalem  Ferrari)
Ela

Se diz da beleza
se feminina
felina.

Da majestática leoa
à genérica gata
que amam 
maltratam
arranham
matam
muitos falaram.

Ou da tigresa
de exótica 
beleza
a quem
comparar-te 
seria um plágio
não uso e nem ouso
o ecológico e autoral
abuso.

(Me diz o Saci que tigres nem são daqui)

E na beira do rio, num remanso de águas paradas, me ponho a pensar em
onças 
pardas
negras 
pintadas
igualmente 
panteras
enciclopédicas.

Depois em meus sonhos desfilam 
linces
leopardos
jaguatiricas 
e todos os tipos 
de gatas
da indiana 
à da mata.

Enquanto meu incerto cérebro hesita na frenética procura da exata
analogia
entre 
fera e poesia.

São belas, altivas 
todas cativam 
minhas tresloucadas retinas
quando indiferentes
me olham
ao caminhar
indolentes
malemolentes
precisas.

Até que a mais bela
das brasílicas feras
entra meu sonho
se deita ao meu lado
de mim toma conta
e brinca e 
se enrola
comigo
e já não me engana
enquanto sussurra.
Suçuarana.
A COR DA PAIXÃO
(Regina de Fontenelle)
Em desejo possuída
        se joga,
             se rasga,
   se estraga
          contra os móveis,
  sobre as plantas,
         entremuros,
 se vê fera,
       se faz cadela,
            se morde serpente,
         ferida em seu desvario
no mais escondido recanto do seu bem-querer,
    no seu coração perple o e ávido
       que ela desfibra devagar.

É CRUA A VIDA. ALÇA DE TRIPA E METAL
(Hilda  Hilst)
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.