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novembro 29, 2017

ENTRANHAS (Agostina  Akemi)
O sorriso caiu.
Entre as pétalas de mim:
o cio.
Esperma aos farelos.
A lua boia na taça de sangue.
Entre os sopros selvagens,
tórridos toques
(sinceros como um cadáver).
Com os dedos enfiados no vento,
quero lamber a liberdade.
Já esfacelei minhas lágrimas.
Enquanto o sol
baba sobre mim,
vou varrendo minha sombra
com restos de beijos.
A esperança dormiu.
Entre os subúrbios de mim:
a dor.
Bolhas de areia,
cacos de suor.
Há bolor nas estrelas.
Eis-me pecado!
Eis-me boca!
Pouca coisa:
alfinetes incendiados.
O amor vai pingando sobre o telhado,
amargo enquanto vocábulo:
deserto parido.
A vida é um estupro:
nasci para morrer.
Renascer das cinzas,
das sobras,
das teias.
Vou lutar até o orgasmo.
A noite
arrotou.
Assim seja,
assim sangre.
Entre a poeira de mim:
o prazer.
Caroço de paixão.
Vou morrer.
Vou morrer. Mas é só para te humilhar.
Vem.
Degola meu cheiro.
Não sou mulher,
sou distanásia.
HAICAIS  (Eugénia  Tabosa)
teu corpo deitado
acorda desejos
não confessados

      meus dedos-olhos
      desvendam sem pressa
      doces mistérios

palmo a palmo
dedo a dedo
inicio teu percurso.

O DESLIZAR  (Ricardo R. Almeida)
Deslizo 
A sua imagem pelo meu pensamento
O seu cheiro pelo meu sangue
A sua voz, as suas palavras pelo meu desejo.

Deslizo
As minhas mãos por entre as suas coxas
A minha boca pelos seus lábios
O meu corpo pelo seu.
Deslizo
Tudo o que pode haver no mundo
E que no entanto somos só nós dois
A dançar como imagens oníricas.
Deslizar de sonhos
de espaços intermináveis
De amores, paixões incontroláveis
Infinitas.

Deslizo
Trêmulo, nervoso pelo meu desejo
De não deixá-la deslizar
Por entre as minhas mãos.
PRIMAVERA (Mary Celeste Bueno)
A estação libidinosa,
Plena do gosto da vida,
Imprevisível, garrida,
Lânguida e leve, goza.

Plantas, animais e gente,
Cheinhos de seiva e luz,
Erguem-se falicamente,
Ao que o destino os conduz.

Tempo de dor e prazer
Dias de sol e de chuva:
Um novo ciclo amanhece.

Sob a influência da lua
Assim como tudo, acontece
São as sementes do ser.

PRIMEIRA PALAVRA (Mia Couto)

Aproxima o teu coração 
e inclina o teu sangue 
para que eu recolha 
os teus inacessíveis frutos 
para que prove da tua água 
e repouse na tua fronte 
Debruça o teu rosto 
sobre a terra sem vestígio 
prepara o teu ventre 
para a anunciada visita 
até que nos lábios humedeça 
a primeira palavra do teu corpo.

FRAMBOESA (Maria Suely de Oliveira)
Musa
Morenada
Ancas cheias
Mastigada de aluguel
Não é a amora menina
Adocicada
Com sabor de desobediência
É mercadoria
Dada a namoros
Vaidosa
Sedutora
Colhida em prateleiras
Decorativa
Impressa na embalagem
Cafetina.
ROTA DE COLISÃO (Marina Colasanti)
De quem é esta pele
que cobre a minha mão
como uma luva?
Que vento é este
que sopra sem soprar
encrespando a sensível superfície?
Por fora a alheia casca
dentro a polpa
e a distância entre as duas
que me atropela.
Pensei entrar na velhice
por inteiro
como um barco
ou um cavalo.
Mas me surpreendo
jovem velha e madura
ao mesmo tempo.
E ainda aprendo a viver
enquanto avanço
na rota em cujo fim
a vida
colide com a morte.



LATIN  LOVER (Aldir Blanc & João Bosco)
Nos dissemos
que o começo é sempre,
sempre inesquecível,
e, no entanto, meu amor, que coisa incrível,
esqueci nosso começo inesquecível.
Mas me lembro
de uma noite
sua mãe tinha saído,
me falaste de um sinal adquirido
numa queda de patins em Paquetá:
mostra doeu? ainda doi?
A voz mais rouca,
e os beijos,
cometas percorrendo o céu da boca
As lembranças
acompanham até o fim um latin lover,
que hoje morre,
sem revólver, sem ciúmes, sem remédio,
de tédio.
COMO DIRIA DYLAN (Zé Geraldo)
Hei você que tem de 8 a 80 anos 
Não fique aí perdido como ave 
sem destino.
Pouco importa a ousadia dos seus planos
Eles podem vir da vivência de um ancião
ou da inocência de um menino
O importante é você crer 
na juventude que existe dentro de você. 
Meu amigo meu compadre meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos
Nunca deixe se levar por falsos líderes 
Todos eles se intitulam porta vozes da razão.
Pouco importa o seu tráfico de influências
Pois os compromissos assumidos quase sempre ganham 
subdimensão
O importante é você ver o grande líder que existe dentro 
de você. 
Meu amigo meu compadre meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos.

Não se deixe intimidar pela violência
O poder da sua mente é toda sua fortaleza
Pouco importa esse aparato bélico universal
Toda força bruta representa nada mais do que um sintoma 
de fraqueza.
O importante é você crer nessa força incrível que existe 
dentro de você.
Meu amigo meu compadre meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos.
VIRTUAL (C. Almeida Stella)
Nunca te vi,
Não conheço o teu corpo,
Mas eu te sinto
Mesmo que estejas longe.
Não me olhei ainda
Na luz dos teus olhos
E nem provei 
O gosto da tua boca.
Mas eu te quero,
Mesmo sabendo 
Que nunca te terei.
Não experimentei o teu toque
E nem sequer te acariciei,
Mas sinto o teu perfume no ar.
Sucumbi à tua sedução,
Mesmo sabendo
Que nunca te encontrarei.
Nosso amor é só virtual,
Mas não faz mal,
Pois alma é mais do que corpo.
E, se não te tenho ao meu lado,
Que o vento sussurre para ti
Minhas palavras de carinho.
Quero também que ele diga
Que alguém te ama
Do jeito que mais sabe,
Com tudo o que é capaz.
E se pensares no amor,
E em tudo o que ele traz,
De felicidade, na vida,
Ora, isso não é nada,
Pois te amo muito mais!
Alma é mais do que corpo.
E minha alma seguirá
Sempre amando a tua,
Mesmo que nossos corpos
Nunca possam se encontrar. 
Mas chegará o momento, 
Por alma ser mais que corpo, 
Que seremos só uma alma,
Um coração 
E um só pensamento!
TUA (Adriana Calcanhotto)
Dentro da noite voraz
Detrás do avesso do véu
Atravessa este verso
A vontade nua.

Tua, tua
Tua e só tua.

Dentro da noite feroz
No breu das noites brancas de hotel
No clarão, no vasto, no vago
No vão, no não, na multidão.

Tua, tua
Tua e só tua.

Dentro da noite fulgás
Estrelas a se consumir
Arde o gás que faz esta canção
Será que você vai me ouvir?

Tua, tua
Tua e só tua.

Na areia, na neve marinha
No dentro do dia, tua
Na areia, na neve marinha
No motor do dia, tua.

Tua, tua
Tua e só tua.

SEXTA-FEIRA À NOITE ( Marina Colasanti )


Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.


Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.




O AMOR, MEU AMOR ( Mia Couto )

O AMOR, MEU AMOR (Mia Couto)
Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água 
e tudo quanto nasce 
e vive além do tempo. 

Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer. 

E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu. 

E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida. 

Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida. 

Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera. 

Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti. 

E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu. 

E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar. 

Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar.

novembro 26, 2017

ONÍRICO (Ana Horta)
abre-me o sexo
como um livro
para ler com os olhos
e os dedos em êxtase
cada corpo é um livro
para leitores ávidos.
Derrama o mel dos teus olhos
na tesão das páginas
Dentro das paredes brancas do quarto
só tu existes
E toco-te apenas a contracapa da vida!
Deixaste um sorriso oblíquo
numa das páginas marcada
com o canto dobrado
Vou contar-te um sonho antigo
da adolescência do corpo:
Há uma negra hermafrodita dançando nua
em torno de uma fogueira
o cabelo curto em caracóis fortes 
como a púbis
a pele suada, brilhando
o pénis enorme, erecto
os seios pequenos e firmes.
A música tribal imparável como o desejo
a fogueira arde
deita fagulhas sob as estrelas
e a negra dança suada
sob os meus olhos suados.
Sempre que tenho cinzas sobre a pele
ela volta a acendê-las
com a sua dança louca
repete o suor do mel
o som dos tambores.
Agora,
estás de cócoras olhando o fogo
vestido com trapos negros
Sorris,
os teus dentes atravessam a fogueira
e rasgam-me os seios
como madeira em brasa.

novembro 24, 2017

ESTÂNCIA (Alphonsus de Guimaraens)
Foi a tua beleza?
Foi toda a minha dor?
Não sei, nem sabes, mas na devesa
Chorou cantando o rouxinol do amor.
Ias de preto, leve,
Como uma andorinha no ar.
Pelo céu tranquilo tombava a neve
Do meu pesar.
Como tinhas de ser crucificada,
Abri-te os braços.
O luar, mais brando do que tu, amada,
Vinha guiar os nossos passos.
Agora que cheguei e que chegaste
Ao fim da vida,
Bem sabes que a ilusão com que sonhaste
Foi pérola de bem alto caída
E que vimos enfim no mar perdida.
No mesmo mar ebúrneo do teu seio,
Donde ela em tempos mais felizes veio!