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setembro 27, 2023

ALMA NUA ( Alfonsina Storni )

 Eu sou uma alma nua nestes versos,

Alma nua que angustiada e sozinha
Deixa suas pétalas espalhadas.

Alma que pode ser uma papoula,
Que poderia ser um lírio, uma violeta,
Um penhasco, uma selva e uma onda.

Alma que vagueia inquieta como o vento
E ruge quando está sobre os mares,
E durma docemente em uma fenda.

Alma que adora em seus altares,
Deuses que não descem para cegá-la;

Alma que não conhece cercas.

Alma que foi fácil de dominar
Com apenas um coração que se parte
Para regar seu sangue quente.

Alma que quando é primavera
Ele diz ao inverno que demora: volte,
Deixe cair sua neve na campina.

Alma que se dissolve quando neva
Na tristeza, clamando pelas rosas(*)
com que a primavera nos rodeia.

Alma que às vezes solta borboletas
Em campo aberto, sem definir distância,
E ele lhes diz: bebam nas coisas.

Alma que deve morrer de uma fragrância
De um suspiro, de um verso em que se reza,
Sem perder, se possível, a elegância.

Alma que nada sabe e nega tudo
E negando o bem, o bem propicia
Porque é negado à medida que mais chega.

Alma que geralmente existe como uma delícia
Apalpar as almas, desprezar o rastro,
E sinta um carinho em sua mão.

Alma que está sempre insatisfeita com ela,
Como os ventos, ele vagueia, corre e gira;
Alma que sangra e delira incessantemente
Por ser a nave em movimento da estrela.

EM FRENTE AO MAR ( Alfonsina Storni )

 Oh mar, mar enorme, coração feroz

De ritmo irregular, coração ruim,
Eu sou mais suave que aquele pobre bastão
Isso apodrece nas tuas ondas de prisioneiros.

Oh mar, dê-me sua tremenda raiva,
Passei minha vida perdoando,
Porque eu entendi, mar, comecei a me entregar:
“Piedade, misericórdia para quem mais ofende.”

Vulgaridade, vulgaridade me assedia.
Ah, eles me compraram a cidade e o homem.
Faça-me ter sua raiva sem nome:
Já estou cansado dessa missão rosa.

Você vê o vulgar? Essa vulgaridade me entristece,
Me falta ar e fico onde me falta,
Gostaria de não entender, mas não consigo:
É a vulgaridade que me envenena.

Fiquei empobrecido porque a compreensão oprime,
Fiquei mais pobre porque a compreensão sufoca,
Bendita seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como espuma.

Mar, sonhei em ser como você,
Lá nas tardes que minha vida
Sob as horas quentes abriu...
Ah, eu sonhei em ser como você.

Olhe para mim aqui, pequeno e miserável,
Cada dor me vence, cada sonho;
Mar, dê-me, dê-me o compromisso inefável
De se tornar arrogante, inatingível.

Dê-me seu sal, seu iodo, sua ferocidade.
Maresia!... Ah, tempestade! Ah, raiva!
Infeliz que sou, sou um cardo,
E eu morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

E minha alma é como o mar, é isso,
Ah, a cidade apodrece e comete erros;
Pequena vida que causa dor,
Que eu me liberte do seu peso!
Deixe meus esforços voarem, minha esperança voar...
Minha vida deve ter sido horrível,
Deve ter sido uma artéria imparável
E é apenas uma cicatriz que sempre dói.

O CARINHO PERDIDO ( Alfonsina Storni )

 A carícia escapa dos meus dedos sem motivo,

Escorre pelos meus dedos... No vento, ao passar,
a carícia que vagueia sem destino nem objeto,
o carinho perdido, quem irá buscá-lo?

Eu poderia amar esta noite com infinita misericórdia,
Eu poderia amar o primeiro que chegasse.
Ninguém chega. São apenas os caminhos floridos.
O carinho perdido vai rolar... vai rolar...

Se eles beijarem seus olhos esta noite, viajante,
Se um doce suspiro sacode os galhos,
se uma mão pequena pressiona seus dedos
que te pega e te deixa, que te pega e vai embora.

Se você não vê aquela mão, nem aquela boca que beija,
Se é o ar que tece a ilusão do beijo,
Oh, viajante, cujos olhos são como o céu,
No vento derreteu, você vai me reconhecer?

setembro 19, 2023

ENCANTADA ( de Lorenz Hart - versão de Carlos Rennó )

 Após nove ou dez conhaques,

Acordei qual uma flor,
Sem Engov nem ataques;
Nem senti tremor.
Homem sempre me aparece;
Geralmente bem me dou.
Mas um meia-boca desse
Me desconcertou.

Tinindo estou;
Curtindo estou;
Criança, chorando e sorrindo estou;
Inquieta, tonta e encantada estou.
Sem dormir,
Não tem dormir,
O amor vem e diz: não convém dormir… –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Me perdi, dominada,
E daí? Errei, sim.
Ele é uma piada,
A piada sobre mim.
Ele é o fim,
E até o fim
Vou tê-lo pra vê-lo, com fé, no fim,
Inquieto, tonto e encantado também.

Vi demais,
Vivi demais,
Mas hoje eu já adolesci demais –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Niná-lo eu vou,
No embalo, eu vou,
Um dia na pele grudá-lo eu vou –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Ao falar, ele sente
Travação, timidez;
Mas horizontalmente
Falando, ele é dez.
Perplexa, enfim,
Com nexo, enfim,
Com – graças a Deus – muito sexo, enfim,
Inquieta, tonta e encantada estou.

Ele é um tolo, mas um tolo
O seu charme às vezes tem;
Em seus braços eu me enrolo,
Que nem um neném.
Caso é aquela coisa louca;
Nem dormindo eu estou,
Desde que esse meia-boca
Me desconcertou.

Que bom, assim,
Mignon, assim,
E com meu estilo, em meu tom, assim,
Inquieta, tonta e encantada estou.
Quem sou eu?
Alguém sou eu
Ardendo ao pensar que o seu bem sou eu –
Inquieta, tonta e encantada estou.
“Não, senhor, obrigada” –
No início eu falei.
Hoje a gente é chegada
Mais do que Erasmo e o Rei.
Pronta, então,
Desponto, então,
Pantera, madura, no ponto, então –
Inquieta, tonta e encantada estou.

Sensata, enfim,
Constato, enfim,
Sua baixa estatura de fato, enfim –
Inquieta, tonta e encantada não mais.
Doeu demais;
Rendeu demais;
Você ganhou muito e perdeu demais ––
Inquieta, tonta e encantada não mais.
Tive um surto dispéptico,
Mas viver já não dói.
Tenho o peito antisséptico,
Dês que você se foi.
Romance – finis;
Sem chance – finis;
Calor a invadir meu colant – finis;
Inquieta, tonta e encantada não mais.

setembro 17, 2023

DESEJO ( Stela Fonseca )

 Diante de mim

o seu corpo
belo
firme
quase nu
com cheiro
de mar
e de amor.
Diante dele
o meu querer
o meu desejo
intenso
inteiro
integral
indescritível
de tocar
cheirar
sentir
aquele corpo
aquele homem
aquele amigo
desejo.

CANTO DE NUDEZ ( Paulo Mont’Alverne )

 Dá-me tua nudez,

Tua nudez úmida
Outorgada em pelos e dobras,
Nas dobras desfeitas
De dez e mil lençóis

Dá-me tua nudez,
Tua nudez traçada,
Declarada em gotas e curvas,
Nas vidas desfeitas
Por uma ou tantas canções.

Dá-me tua nudez,
Tua nudez rasgada,
Marcada em veias e carnes,
Nos pactos esquecidos
De todas e outras juras.

Dá-me tua nudez,
Tua nudez faminta,
Destrancada de almas e corpos,
Nos sonhos destruídos
De meus e teus desejos.

AFRODITE ( Irene Lisboa )

 Formosa.

Esses peitos pequenos, cheios.

Esse ventre, o seu redondo espraiado!
O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido
das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado,
as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo,
o coto de um braço, o tronco robusto, a linha
cariciosa do ombro
Afrodite, não chorei quando te descobri?
Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia
e de Roma!
Tantas figuras graves, de gestos nobres e de
frontes tranquilas, abstractas
Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necró-
pole.
Era uma assembleia de amáveis espíritos, divaga
dores, ente si trocando serenas, eternas e nunca
desprezadas razões formais.

Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo
O descanso desse teu gesto!
A perna que encobre a outra, que aperta o corpo.
A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre.
E um fumo, uma impressão tão subtil e tão pro-
vocante de pudor, de volúpia, de reserva, de
abandono.
Já passaram sobre ti dois mil anos?

Estranha obra de um homem!
Que doçura espalhas e que grandeza…
És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo.
Não és mística, não exacerbas, não angústias.
Geras o sonho do amor.

Praxíteles.
Como pudeste criar Afrodite?
E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de
a vencer, gozar!
Tinha de assim ser.
Eternizaste-a!
A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne…

ORGASMO ( Liz Christine )

 Sexo

adorável
palavra
Ato
delicioso
incansável
Corpo
curvas derrapantes
maravilhoso
Você
estou condenada
você é a culpada
De desejos ardentes
Noite gelada
Inverno na madrugada
Parece verão
Corpo febril
Culpa da paixão
Seu rosto infantil
Sorrindo
Não pare…
Estou quase atingindo.

CORPO MEMÓRIA ( Pedro Miranda )

 Teu corpo é cobra quando enrolas no meu,

teus lábios mel tocando os meus,
tua pele brasa, teus seios carne, pecado, desejo.
Teu sexo fonte,
de onde vou beber,
me molhar, me limpar, me enlouquecer,
teu corpo é desejo, volúpia,
memória
que nunca vou esquecer.

SONETO À LUZ DE VELAS ( Simone Barbariz )

 Velas iluminavam o ambiente

E nossos olhos brilhavam
Diante nossos corpos nus e incandescentes
Impressão que as chamas davam

Começamos um jogo de exploração
Mãos percorrendo dorso
Causando inebriante sensação
Trazendo à mente um novo universo

Olhos ardendo em desejo
Bocas entre-abertas
Meu corpo em seus braços despejo

Rolamos pelas cobertas
Pelo mundo temos desprezo,
Pois nossas almas somente para o nosso amor estão abertas.


 

DEDOS DO SILÊNCIO ( Rosy Feros )

 Vem…

Me toma à beira da noite,
caminha por mim
com seus passos molhados,
despeja seu rio no meu cálice
– pois minha emoção é só água.

Vem…
Que eu lhe dou um trago
deste meu vinho guardado,
destas minhas uvas
frescas de inverno
Que eu derramo em gotas meu perfume
pelos quatro cantos do seu corpo,
vestindo sua pele com a camurça
da nudez e do silêncio.

Vem…
Deita e me canta,
sente meu desejo
se esgueirando pelos seus dedos,
veleja sem bússola
pelos meus sentidos,
me olha como quem pede lua

Deixa eu sussurrar minhas folhas,
soprar minhas pétalas
pelo seu peito de relva,
pelo seu solo macio.
Vem… Não volta,
esquece a hora morta
do cotidiano de sempre.
Me toca feito música
e deixa eu cantar meu bolero
pelas suas curvas de carne

Sinto-me inocência
passeando por suas alturas,
por seus andares cheios
da mais noturna noite densa.

Desvenda essa face molhada
e me mostra a sua vertente original
de emoção-fêmea pura
Que eu o espero na branca paz
do meu ventre adormecido,
dos meus braços plenos
de fogueiras e cantigas.

Vem…
Que eu desfolho
toda essa sua vontade nua,
que eu desperto
todo esse seu lado cigano
pois o meu leite é morno
e é rosa franca meu sorriso.
Deixa seu barco
navegar pelo meu leito,
que eu carrego no peito a ânsia
de hastear a bandeira do infinito.

Vem…
Deita… Me namora…
Me afoga no espelho de luz
dessa madrugada afora,
me diz que no nosso tempo
não há tempo nem hora,
que eu não agüento
a flor do sexo que arde
nas entranhas de mim.

Deixa que eu amanheça
na espuma dessa sua onda quente,
deixa sua emoção fluir
da garganta num repente…
Que eu carrego nos olhos de relento
a voz que lhe pede a terra
e que lhe entrega o mar.

INTERLÚDIO ( Beatriz Caldas )

 Seus sons ainda provocam

Abalos sísmicos

Barulho de concha quando coloco
Em meu ouvido

Às três da manhã
Brigo com as quedas,
Falhas de volume

Brigo com o brilho
Da tela, nunca tão intenso
Para quem está longe

Minha língua
Arrasta no céu da boca
Tentando sentir qualquer
Resquício
Do gosto da sua

Procuro por digitais
Em minha pele
Enquanto deito nua

E nada traz
Você para o ponto
Propício para o impacto

O que chamam de distância
Nada mais é
Que a loucura se instalando
Entre atos.

É PERMITIDO PERDER - SE ( Gabriela Augusto )

 em ruínas,

seus lábios são o apocalipse
às sinfonias,
o silêncio é a calmaria
o contemplar do não dito,
perdido
entre suspiros.

o indizível enunciado
em extensões sintonizadas
é o réquiem dos morados
das profundezas
é a extensão do meu eu
intimamente carregado
de entrelinhas,
que insistem em permanecer
na ponta da língua
e escorregam para dentro de si.

a inundação presente até os joelhos
derramam-se lágrimas empíricas
os olhares já transbordam
força erótica
carnal e vivida
força intrínseca
perplexa,
alvoroçada,
química.
e compartilho segredos no silêncio,
em confissões perduras
em pernoites,
perdidas.

amantes das noites sublunares
a claridade da lua intensifica
o olhar doce
confuso
perdido,
e ilumina o que está escrito:
aos perdidos,
todos os caminhos levam
à um encontro.

A UMA TELA DE DISTÂNCIA ( Penha Souza )

 eu quero ver teu corpo

sem filtros, sem aplicativos

você está
a uma tela de distância

e os algoritmos
que permitem que eu te veja
não permitem que o tato
perceba as coisas
que só são vistas
pelo:

pegar

(eu preciso que fique evidente
a urgência desse toque)

logo eu
cheia de não me toques
quero ter você
em minhas mãos
nem que seja
apenas uma vez

me inebriar
nas curvas do teu corpo
sentir teu gosto
entender os ritmos
que te movem

quero memorizar
tua pele, tua textura
os cheiros epidérmicos
que por imagem
parecem de uma suavidade
tão imensa que sinto o ar
me tornar mais leve
apenas de te imaginar
tão de perto

mulher,
eu te quero tanto
que a palavra querer
parece não preencher
a expressão do desejo
que eu sinto
quando se trata de você

meus lábios
querem saber como é teu beijo
minhas mãos querem segurar nas tuas
e descobrir o encaixe capaz
de te segurar comigo

quero dormir com você
quero dormir em você
e quando acordar
ainda inebriada
por tua presença

te entregar amor

mas a uma tela de distância
tudo que minha mão alcança de você
são resultados desses algoritmos
que nos conecta uma a outra

de forma remota

enquanto eu me remonto
na tentativa de engrandecer
e obter um tamanho
que me permita alcançar:

você.