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17/09/2023

FRÍGIDA ( Cesário Verde )

 I

 

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!

Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!

Mas ele eternizou-lhe a singular beleza

E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

 

II

 

Admiro-a. A sua longa e plácida estatura

Expõe a majestade austera dos invernos.

Não cora no seu todo a tímida candura;

Dançam a paz dos céus e o assombro dos infernos.

 

III

 

Eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante,

Numa das mãos franzindo um lençol de cambraia!...

Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,

Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

 

IV

 

Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,

Mas nunca a fitarei duma maneira franca;

Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,

É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!

 

V

 

Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,

Ó gélida mulher bizarramente estranha,

E trêmulo depor os lábios no seu pulso,

Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

 

VI

 

Cintila ao seu rosto a lucidez das jóias.

Ao encarar consigo a fantasia pasma;

Pausadamente lembra o silvo das jibóias

E a marcha demorada e muda dum fantasma.

 

VII

 

Metálica visão que Charles Baudelaire

Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,

Permita que eu lhe adule a distinção que fere,

As curvas da magreza e o lustre dos adornos!

 

VIII

 

Desliza como um astro, um astro que declina,

Tão descansada e firme é que me desvaria,

E tem a lentidão duma corveta fina

Que nobremente vá num mar de calmaria.

 

IX

 

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,

No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!

E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe

O sossegado espectro angélico da Morte!

 

X

 

O seu vagar oculta uma elasticidade

Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,

E a sua glacial impassibilidade

Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.

 

XI

 

Porém, não arderei aos seus contactos frios,

E não me enroscará nos serpentinos braços:

Receio suportar febrões e calafrios;

Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

 

XII

 

E se uma vez me abrisse o colo transparente,

E me osculasse, enfim, flexível e submissa,

Eu julgara ouvir alguém, agudamente,

Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!