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novembro 17, 2016

SEM QUE EU PEDISSE, FIZESTE-ME A GRAÇA
Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.
Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo não te escuto não te aperto

mas tua boca está presente, adorando.
Adorando.
Nunca pensei ter entre as coxas um deus.
- Carlos Drummond de Andrade, em "O Amor Natural". Rio de Janeiro: Record, 1992.

novembro 15, 2016

MULHER NEGRA ( by Jorge Linhaça )

I
Do tempo das amas-de-leite,
das senzalas e mucambas,
Aind’há quem te desfeite,
(Do tempo das amas-de-leite)
quem deboche teus enfeites,
e te faça a vida tirana
Do tempo das amas-de-leite
das senzalas e mucambas.


II
Ser mulher e, negra, também ser,
é sentir, em dobro, a dor,
é lutar e sobreviver.
Ser mulher e, negra, também ser,
é por duas sempre valer,
é desdobrar o seu valor
Ser mulher e, negra, também ser,
é sentir, em dobro, a dor.
III
É guardar dentro do peito,
o grito da liberdade,
qual o mais doce confeito.
É guardar dentro do peito,
a esperança dum mundo feito
de paz e igualdade
É guardar dentro do peito,
o grito da liberdade.
IV
É ser sempre a guerreira,
vencendo obstáculos,
e tomando a dianteira.
É ser sempre a guerreira,
e vencer, à sua maneira,
desta vida os percalços
É ser sempre a guerreira,
vencendo obstáculos,
V
Mulher negra, negra mulher,
fica aqui esta homenagem,
de um poetinha qualquer.
Mulher negra, negra mulher,
venha o tempo que vier,
és sinônimo de coragem.
Mulher negra, negra mulher,
fica aqui esta homenagem.


Lava tua alma enquanto vislumbra as geografias do sangue,
Te purifica,

Te limpa, 

toma um banho de costas na chuva — nua na rua.

Os risos vazios tem que acabar.

Assim como a peste, a raiva, a doença do rato.

Preenche esse vazio que se alastra demasiadamente
em meu peito,
me beija, 
crava jardas de sangue por tudo meu corpo, 
me fale qualquer coisa;
que me ama, 
que me odeia, 
que me detesta, 
que não vive sem mim,
me fale qualquer coisa, por favor — amor, fale.
Seus silêncios escorrem nas suas lágrimas.
(by Renato  Silva )

ESTÁTUAS PERDIDAS ( Menotti Del Picchia )
Há formas irrealizadas de ti

no côncavo de minha mão

que poderiam fazer cem estátuas.

Instantes de felina beleza

movimentos bruscos de quem freme ou ou foge às carícias,

detalhe do teu corpo esquivo

feitos de curvas plásticas e inéditas
que ficaram decalcadas na minha pelo,
no meu insatisfeito desejo
como se eu fosse um molde vivo
de obras-primas que esperam ser fundidas
em bronze, em verso, em música.
Nessas estátuas perdidas
vai-se tua própria mocidade
porque forma teus instantes de amor
que tive em minhas mãos.
 MENOTTI DEL PICCHIA
In Suplemento literário de "A Manhã", 1944
Antologia da Literatura Brasileira Contemporânea.

TEUS  SEIOS
Poema de J. G. de Araujo Jorge, extraído do livro

Poemas do Amor Ardente - 1961
Teus seios quando os sinto, quando os beijo
na ânsia febril de amante incontentado,
são pólos recebendo o meu desejo,

nos momentos sublimes de pecado.
E às manhãs quando acaso, entre lençóis

das roupagens do leito, saltam nus,

lembram, não sei, dois lindos girassóis

fugindo à sombra e procurando a luz!
Florações róseas de uma carne em flor

que se ostenta a tremer em dois botões

na primavera ardente de um amor

que vive para as nossas sensações.
Túmidos, cheios,

palpitantes, como

dois bagos do teu corpo de sereia

tem um rubro botão em cada pomo

como duas cerejas sobre a areia.
Quando os tenho nas mãos. Quantas delícias!

Arrepiam-se, trêmulos , sensuais,

e ao contato nervoso das carícias

tocam-me o peito como dois punhais!
Meu lúbrico prazer sempre consolo

na carne destas ondas revoltadas,

que são como taças emborcadas

no moreno inebriante do teu colo.














UMA MULHER ( Bruna Lombardi )

Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela

a cor da pele, dos pelos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca

uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora

o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.






NOS TEUS GESTOS ( Joaquim Pessoa )



Nos teus gestos há animais em liberdade 

e o brilho doce que só têm as cerejas. 
É neles que adormeço, e dos teus dedos 
retiro a luz azul dos arquipélagos. 

Os teus gestos são letras, sílabas, poemas. 
Os teus gestos são páginas inteiras. São
a tua boca a namorar na minha boca,
o cio dos séculos a saudar o tempo.

São os teus gestos que me acordam. Gestos
que vestem o silêncio fundo das ravinas
e assinalam a água dos desertos.

Os teus gestos são música. São lume.
São a respiração do teu olhar. A seara
de espigas que ondula no meu corpo. 

(Joaquim Pessoa, in 'Guardar o Fogo')

TEU  TOQUE  ( Jackeline  Reis )
Quero teu toque a desnudar-me.
Quero em teus olhos a chama ardente do desejo enlouquecedor.

Esta chama que meu corpo queima,

Como um vulcão em erupção
Chama esta, que me faz perder a razão.
Chama suave, quente voraz, delícia de delírio,
Desejo louco que queima como fogo,
Meu corpo em chamas pede pelo frescor
Da tua boca molhada.
A suavidade de tuas mãos,
De tua boca sedenta e lábios vorazes,
Que deslizam por minha pele, buscando meus segredos mais íntimos.
Enfim tua, completamente
Tua.


SILÊNCIOS DA FALA ( Maria Teresa Horta )

São tantos
os silêncios da fala

De sede
De saliva
De suor

Silêncios de sílex
no corpo do silêncio

Silêncios de vento
de mar
e de torpor

De amor

Depois, há as jarras
com rosas de silêncio

Os gemidos
nas camas

As ancas
O sabor

O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor
( MARIA TERESA HORTA )
In Vozes E Olhares No Feminino, 2001.

TENTA-ME DE NOVO ( Hilda Hilst )

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.









DESCONHECIDA  Um olhar sensual, de pantera no cio,

Trejeitos no andar, um sorriso macio,
E eu logo me deixo envolver feito louco.

Ao primeiro abraço, num toque sutil,

Vou despindo teu ser, meus desejos a mil,

E sou teu, me devoras, me tens só pra ti, pouco a pouco.

Quem és tu, donde vens, adorável pantera,

Mistura de anjo, de gata, de fera,

Que mistério é esse que me enfeitiça?

Enquanto teu corpo me aceita carente,

Me derreto em prazeres, deliciosamente,

No incêndio que esta fagulha atiça.