NO PEQUENO MUSEU SENTIMENTAL
No pequeno museu sentimental
os fios de cabelos religados
por laços mínimos de fita
são tudo que
dos montes hoje resta,
dos montes hoje resta,
visitados por mim, montes de Vênus.
Apalpo, acaricio a flora negra,
e negra continua, nesse branco
total do tempo extinto
em que eu, pastor felante, apascentava
caracois perfumados, aneis negros,
cobrinhas passionais, junto do espelho
que com elas rimava, num clarão.
Os movimentos vivos no pretérito
enroscavam-se nos fios que me falam
de perdidos arquejos renascentes
em beijos que da boca deslizavam
para o abismo de flores e resinas.
Vou beijando a memória desses beijos.
Carlos Drummond de Andrade, em "O Amor Natural" Rio de Janeiro- Record, 1992.