"Mas Maria guardava todas essas coisas,conferindo-as em seu coração."(Lc 2,19)
O blogue tem a proposta de divulgar e valorizar a poesia universal sempre com ilustrações que procuram enaltecer a beleza feminina e respeitando sempre os autores das obras aqui postadas. "O único jeito de suportar a existência é mergulhar na literatura como numa orgia perpétua". ( Gustave Flaubert )
Seguidores
abril 30, 2023
ABSOLVER (Adilia Lopes )
IMÓVEL ( Miriam Reyes ) Tradução: Nelson Santander
abandonado a teu peso de homem imóvel
olhas-me com antiquíssimos ressentimentos.
NUDEZ ( Ellen Bass ) Tradução: Nelson Santander
A primeira vez que vi o pênis do meu namorado
pensei que o pau estaria coberto de pelos,
levou para a praia.
ODE LOUCA ( Filipa Leal )
Todos os homens têm o seu rio.
A SOLIDÃO ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
A noite abre os seus ângulos de lua
E em todas as paredes te procuro
Eu te procuro.
CANÇÃO DE MATAR ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
Do dia nada sei
Com uma faca limpaMe libertareiDo teu sangue que põeNa minha alma nódoas
Do dia nada seiCom uma faca limpa
ROSTO NU ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
Rosto nu na luz directa.
NAS PRAIAS ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
QUE O TEU GLÁDIO ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
Que o Teu gládio me fira mortalmente.
AH, FALEMOS DA BRISA (Eugénio de Andrade)
Eu dizia:
PROCURA A MARAVILHA ( Eugénio de Andrade )
Procura a maravilha.
abril 29, 2023
LUXÚRIA ( Roberta Tostes Daniel )
De quanto eu te olho.
GARIMPO ( Anna Apolinário )
Que teus lábios busquem sem cessar
O MEDO DE QUE ME VISSES NUA ( Carol Ruiz )
O medo de me que vissem nua
— A mulher herda fantasmas sob os ossos.
POR DELICADEZA ( Sophia de Mello Breyner Andresen )
Bailarina fui
O SUMO FRESCO ( Luiza Nilo Nunes )
Vieram negras as sementes do abandono
e nos teus ossos iniciaram-se os ofícios.
Tu, discípula da sombra.
Tu que acendes os teus lábios pelos
fósforos escuros
e incendeias a floração da tua língua.
Tu que levas nos cabelos um registo de orfandade
e sobre a pele um cheiro podre de
lençóis hospitalares
como um hálito de flor
ou um lentíssimo perfume.
Tu, discípula da rosa dos outonos,
que amanheces e desovas como um saco de embriões
e vertes litros de mirtilos sobre os pés,
o sumo fresco dos estábulos da morte
e que às escuras, como um lírico cordeiro,
ofereces em autópsia o teu ventre expiatório
e iluminas com o brilho dos teus dentes
os sorrisos das caveiras incubadas nos espelhos.
Tu que clamas e ressoas livremente nas cidades
como um fúnebre tambor
mas amordaças os espinhos do teu
sexo de cinzas,
o teu cálice apagado pela lívida aliança
e adoeces como um nódulo
ou uma caixa de silêncio
pelo homem que exauriu no sono angélico das pombas,
pelo homem-esqueleto a revestir-se nos pomares,
pelo homem de pulmões nupciais,
cheios de algas tenebrosas,
pelo homem enxertado de moscardos e abundâncias,
o rapaz da deserção e do livor,
dos favos roxos nas narinas,
da dulcíssima agonia
do mel.
PRÓDIGA ( Luiza Nilo Nunes )
Falo da mulher que foi cegada pela vinda de um clarão,
da rapariga que desperta para a lâmpada solar,
os olhos brancos e feridos como pétalas à luz.
Falo da fêmea que se despe sobre o centro do poema,
os cascos frescos e molhados sobre as águas do poema,
a rapariga que mergulha loucamente nos corais.
Uma figueira exuberante prefigura-lhe a nudez
e o seu espírito revela-se nos figos luminosos,
nas fruteiras onde ferve a pele áspera dos figos,
nas canastras perfumadas onde os frutos apodrecem.
Sei que um figo, se trincado pelas lâminas
da sede, prefigura o sangramento da mulher,
porque ela sangra docemente como um fruto proibido,
ela goteja sob a árvore maldita:
a sua carne é um verão atravessado de coágulos.
Nos lençóis, nos linhos parcos consagrados à pureza,
posso ler como um oráculo o seu
registo de menstruo,
posso ver delinear-se as asas bíblicas da ave,
posso ver passar as pombas nas linhaças menstruadas,
posso ler nas plumas limpas, arejadas dos lençóis
a sua líquida
escritura de sangue.
Que ela sangre e apodreça na doçura de um perfume
e seja pródiga, isto é:
que a sua boca seja
exótica e floral,
que amadureça como a nota mais profunda
de uma fúnebre fragância de jasmins
e que os seus gestos repercutam o desespero de um pássaro.
E o espírito, cercado pela luz,
amachucado pela luz de uma palavra,
quebre agora o doloroso coração do silêncio.