"Porque o amor é forte como a morte."
in Cântico dos Cânticos, 8:6
E quando a luz vier cingir a minha lápide sombria,
quando a noite libertar o voo cósmico das aves,
quando as ervas engolirem a leveza dos meus ossos
e o meu peito apodrecer
sobre a sageza das planícies,
e eu entrar como um espírito
nas câmaras cruéis,
direi que sim:
que conheci a calidez da tua boca,
que provei o mosto escuro e tenebroso
dos teus lábios,
que apartei a escuridão que sela o arco
dos teus dentes,
que beijei as delicadas cicatrizes dos teus flancos
e as colmeias onde é doce
o mel sinistro do teu sexo,
que pus flores de terror e puro
êxtase floral
nas masculinas e secretas reentrâncias do teu corpo,
e que o teu corpo de rapaz – ungido
a pombas e perfumes –
foi cercado por um fôlego puríssimo de rosas,
que tombámos como amantes despenhados
sobre as rosas, como aves
instruídas para o sangue dos espinhos.
Deste corpo afeiçoado às ervas
frescas dos sepulcros,
deste peito de águas turvas e pulmões esmaecidos,
destes fúnebres invólucros
de pele e carnação,
deste arcaboiço de mulher que agora
brilha sobre o pó
e é debruado pela cinza dos luzeiros siderais,
hei de levar unicamente as armações das alianças:
os liames que os teus ossos enlaçaram
nos meus ossos,
as manilhas e os anéis do nosso vínculo
obscuro,
os fios de prata com que atei a solidão da tua sombra
à solidão onde lampeja
e estremece a minha sombra.