Seguidores

29/04/2023

PRÓDIGA ( Luiza Nilo Nunes )

 Falo da mulher que foi cegada pela vinda de um clarão, 

da rapariga que desperta para a lâmpada solar, 

os olhos brancos e feridos como pétalas à luz. 

 

Falo da fêmea que se despe sobre o centro do poema, 

os cascos frescos e molhados sobre as águas do poema, 

a rapariga que mergulha loucamente nos corais. 

 

Uma figueira exuberante prefigura-lhe a nudez 

e o seu espírito revela-se nos figos luminosos,  

nas fruteiras onde ferve a pele áspera dos figos,  

nas canastras perfumadas onde os frutos apodrecem. 

 

Sei que um figo, se trincado pelas lâminas  

da sede, prefigura o sangramento da mulher, 

porque ela sangra docemente como um fruto proibido, 

ela goteja sob a árvore maldita:  

a sua carne é um verão atravessado de coágulos. 

 

Nos lençóis, nos linhos parcos consagrados à pureza, 

posso ler como um oráculo o seu  

registo de menstruo,  

posso ver delinear-se as asas bíblicas da ave, 

posso ver passar as pombas nas linhaças menstruadas, 

 

posso ler nas plumas limpas, arejadas dos lençóis  

a sua líquida  

escritura de sangue. 

 

Que ela sangre e apodreça na doçura de um perfume  

e seja pródiga, isto é:  

que a sua boca seja 

exótica e floral, 

que amadureça como a nota mais profunda 

de uma fúnebre fragância de jasmins 

e que os seus gestos repercutam o desespero de um pássaro. 

 

E o espírito, cercado pela luz, 

amachucado pela luz de uma palavra, 

quebre agora o doloroso coração do silêncio.