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setembro 23, 2017

AMOR  BARATO
(Francis  Hime & Chico  Buarque)
Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Modesto

Um tipo de amor
Que é de mendigar cafuné
Que é pobre e às vezes nem é
Honesto

Pechincha de amor
Mas que eu faço tanta questão
Que se tiver precisão
Eu furto

Vem cá, meu amor
Agüenta o teu cantador
Me esquenta porque o cobertor é curto

Mas levo esse amor
Com o zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha

Que enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor

Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha

Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Barato

Um tipo de amor
Que é de esfarrapar e cerzir
Que é de comer e cuspir
No prato

Mas levo esse amor
Com o zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha

Que enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor

Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha.
ha

SOLETRO NO TEU CORPO (Miguel Afonso Andersen)
Soletro no teu corpo
o abecedário
do prazer
pelo toque 
no tacto dos dedos
num braille imaginário,
picotado
no sabor e no saber
das palavras
e dos seus segredos.

A CURVA DO RIO (Ana Paula Tavares)
Desces a curva do meu corpo, amado
com o sabor da curva de outros rios
contas as veias e deixasses as mãos pousarem como asas
como vento
sobre o sopro cansado
sobre o seio desperto.
Parte a canoa e rasga a rede
tens sede de outros rios
olhos de peixes que não conheço
e dedos que sentem em mim a pele arrepiada
d'outro tempo.
Sou a esperança cansada da vida
que bebes devagar
no corpo que era meu
e já perdeste
andas em círculos de fogo
à volta do meu cercado
Não entres, por favor não entres
sem os óleos puros do começo
e as laranjas.

A TERRA (Miguel Torga)

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação!
Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois.
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.

Terra, minha mulher!
Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!

A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos.
Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.

Terra, minha canção!
Ode de polo a polo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!
PRELÚDIOS (Maria de Lourdes Hortas)
Porque sou da terra
preciso da chuva
e para ser verde
de ti tenho sede.

Ó meu amor
faz-me ouvir, apenas.
Sê tu a minha boca.

O orvalho desta rosa
encarnada que sou
quando me desfolhas
e enlanguesces
é a húmida certeza
que te dou
do prazer que em mim teces.

E por estar densa e túmida
plena de amor e alegria
explodi humedecendo
o largo corpo do dia.
 FICA OU PARTE! (Fátima  Guimarães)
Fica!
Estou presa na tua voz
e nas tuas mãos tenho
todos os desejos.
Fica!
É no teu corpo
que me perco e liberto.
Sem ti fico nua.
Ou então parte!
Vai, leva contigo o sorriso,
o calor da tua voz,
o teu olhar,
a cinza do meu corpo.
Não voltes.
Já não estarei aqui!

TER-TE (Miguel Afonso Andersen)
Ter-te longe
e desejar-te aqui,
onde o frémito do corpo acontece.
Aqui, lugar onde
o vício dos olhos e das mãos me inquieta.
Ah, ter-te perto
suster a respiração,
cerrar os olhos
e deixar que tudo comece
e acabe em ti.
Ensaiar o voo da águia
e suavemente planar sobre a superfície
sinuosa do teu corpo perfeito
no asa-delta da paixão.
Ter-te perto,
sentir o perfume da tua presença
pelo calor do corpo,
pela claridade dos olhos
e pensar
que o sol e a alegria
de cada manhã,
nascem exatamente em ti.

NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Paulo Eduardo Campos)
Esta noite encheu-se de lobos.
Vagueiam pelo chão do quarto
De onde te escrevo.

Neste chão que te ouviu rir,
Quando tu eras o som
De todo este silêncio.
Os anjos soltaram-se do meu olhar,
Dos meus olhos feitos de tempo,
Que já não te acompanham
Pelos lugares onde passeias.
As asas quebraram os ventos
Fortes e cansados do karma.
Por dentro do sonho,
Floresce o sono que vestiu o teu corpo.
O sono que leva os poetas,
Soldados e amantes.
Nesta noite, antes e depois
De nos separarmos,
Eram essas mesmas estrelas
Que existiam no céu.
A alma é um corpo de mulher,
Perdida na escuridão deste quarto.
A MULHER FELIZ (António Ramos Rosa)
Está de pé sobre as brancas dunas. As ondas conduziram-na
e os ventos empurraram-na, está ali, na perfeição redonda
da oferenda. E como que adormece no esplendor sereno.
Diz luz porque diz agora e és tu e sou eu, num círculo
Só. Está embriagada de ar como uma forte lâmpada
É uma área de equilíbrio, de movimentos flexíveis,
um repouso incendiado, a vitória de uma pedra.
Abrem-se fundas águas e um novo fogo aparece.
Que lentas são as folhas largas e as areias!
Que denso é este corpo, esta lua de argila!
Nua como uma pedra ardente, mais do que uma promessa
fulgurante, a amorosa presença de uma mulher feliz.
Nela dormem os pássaros, dormem os nomes puros.
Agora crepita a noite, as línguas que circulam.
Crescem, crescem os músculos da mais intima distância.

VOZ (Maria Tereza Horta)
Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido
os dedos que me
vogam
nos cabelos
e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los.
Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos.
Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens.
 NOS TEUS OLHOS VERDES (António Barroso Cruz)
Hoje, quando te encontrei

e o teu sorriso olhou para mim,
fui arrastado para os teus olhos
numa alquimia sem fim 
Beijei-te o pescoço ardente de desejo,
tirei-te a roupa em gestos urgentes e delicados,
e deixei que as tuas mãos se entregassem
aos corpos impacientes que se queriam amados

E depois, imerso no poema do teu olhar,
e na constância das nossas sofreguidões,
consumimos os nossos gestos em desatino
na impulsividade das nossas imensas paixões.

setembro 12, 2017

 RUA DE CAMÕES (Inês  Lourenço)
A minha infância 
cheira a soalho esfregado a piaçaba 
aos chocolates do meu pai aos Domingos 
à camisa de noite de flanela 
da minha mãe. 

Ao fogão a carvão 
à máquina a petróleo 
ao zinco da bacia de banho. 

Soa a janelas de guilhotina 
a desvendar meia rua 
surgia sempre o telhado 
sustentáculo da mansarda 
obstáculo da perspectiva. 

Nele a chuva acontecia 
aspergindo ocres mais vivos 
empapando ervas esquecidas 
cantando com as telhas liquidamente 
percutindo folhetas e caleiras 
criando manchas tão incoerentes nas paredes 
de onde podia emergir qualquer objecto. 

E havia a Dona Laura 
senhora distinta 
e sua criada Rosa 
que ao nosso menor salto 
lesta vinha avisar 
que estavam lá em baixo.

as pratas a abanar no guarda-louça 
O caruncho repicava nas frinchas 
alongava as pernas 
a casa envelhecia. 

Na rua das traseiras havia um catavento 
veloz nas turbulências de inverno 
e eu rejeitava da boneca 
a imutável expressão. 

A minha mãe fazia-me as tranças 
antes de ir para a escola 
e dizia-me muitas vezes. 

Não olhes para os rapazes 
que é feio.
 
 FILIGRANA (Hélder Leal Martins)
É na alquimia dos olhares
que os gestos se misturam
as palavras se calam
e o silêncio fecunda as bocas
com a líquida melodia
que inunda a pele 
e funde os corpos
numa vibração uníssona
de prazer indivisível
superlativa comunhão
filigrana de paixões
sem calendário.

setembro 11, 2017

CALÇADA DE CARRICHE ( António Gedeão )

 CALÇADA DE CARRICHE(António Gedeão)
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

setembro 07, 2017

O CORPO(Maria Teresa Horta)
É pêssego
Tangerina
E é limão
Tem sabor a damasco
e a alperce
Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe
De maçã guarda o pecado
e a sedução
Do mel
o açúcar que reveste
Do licor
a febre no seu rasgão
me invade me inunda e me apetece
Mergulho depressa a minha boca
e bebo a sede
que em mim já cresce
Delírio que me enche
de prazer
tomando o ponto num lume que humedece
Devagar mexo sem tino
as minhas mãos
Provando de ti
o que de ti viesse
O anis do esperma
o doce odor do pão
que o teu corpo espalha e enlouquece.



O SEGREDO (Maria Tereza Horta)

 O SEGREDO   (Maria Tereza Horta)
 Não contes do meu vestido
que tiro pela cabeça
Nem que corro os cortinados
para uma sombra mais espessa.

Deixa que feche o anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas pernas
e a sombra do meu poço.

Não contes do meu novelo
nem da roca de fiar
Nem o que faço com eles
a fim de te ouvir gritar.




AMÊNDOA AMARGA(Maria Tereza Horta)
Esse travo inteiro
a amêndoa
amarga
A ameixa
a doce a ferver no tacho
Esse travo na língua
a fermentar no corpo
A febre a nascer
a crescer debaixo
Em baixo...
a saia a subir nas coxas
e esse cheiro mais grosso, se entreabro
As pernas os lábios
e o gosto
onde o sabor da amêndoa se torna mais
amargo
É esse o momento
o instante exacto
em que tudo se prende
ao gesto sem sentido
A calda no ponto
deixa a língua em brasa
E eu tiro pela cabeça
o meu vestido.

CICUTA (Maria Teresa Horta)
Debruça-te, amor
e colhe-me a manhã
bebe-me o hálito
morde-me os gemidos
eu sou o copo
de cicuta
(o vinho)
com o qual envenenas
os sentidos.

setembro 05, 2017

 TUA PELE (Carlos Eduardo Leal)
Quero conjugar um verbo em tua pele
e inventar novas palavras para o teu corpo.
Eu-pele
tua-pele
dorso azulado
tua pele em mim
roçando sentimentalidades
lubrificando estados da alma.
Quero conjugar um verbo em tua pele
em teus cabelos negros
em tua boca rubra
e deixar escorrer
este verbo pelo teu corpo
para transformá-lo em carne
saborosa
saboroso encontro
de peles delícias
nos olhares conjugados.
Quero conjugar um verbo em tua pele
úmida, quente
me perder em sonhos
só para te achar em cada um deles e
realizar com você a loucura,
declinação dos meus sonhos.
Quero conjugar um verbo em tua pele
sem mais nenhum pré-texto
só para te fazer feliz
só para sentir minha inscrição
na tua pele: 
mulher da minha escrita.

setembro 04, 2017

CONHEÇO O SAL (Jorge de Sena)
Conheço o sal da tua pele seca
Depois que o estio se volveu inverno
De carne repousada em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
Quando das bocas se estreitavam lábios
E o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
Os louros ou cinzentos que se enrolam
Neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minhas mãos
Como nas praias o perfume fica
Quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
Da tua língua, o sal de teus mamilos,
E o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
Ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
Um cristalino pó de amantes enlaçados.
PARA TE VER É LONGA TODA ESPERA (Jaci Bezerra)
Há uma serra no teu peito 
feita de sonho e de distância. 

É nessa serra que me deito 
com tua luminosa infância. 
Ao te esfolhar, na tarde branca, 
me extravio nas tuas ancas. 

Habitando a paisagem branca 
na curva dessa serra deito. 

Assim, montando as tuas ancas, 
cavalgo os sonhos do teu peito. 
Depois, retido na distância, 
na cama acendo a tua infância. 

Nos veludos da tua infância 
qualquer montanha é pura e branca, 
claro verão que, na distância, 
cintila sobre tuas ancas. 

É minha a serra do teu peito 
quando à sombra do teu corpo deito. 

Sobre os lençois, quando me deito, 
meu coração é a tua infância. 
Eu, pelas serras do teu peito, 
sou um menino na distância, 

cavalgando, na tarde branca, 
os girassois das tuas ancas. 

Nos extremos das tuas ancas 
cavalgo as serras do teu peito. 
O teu corpo, na tarde branca, 
é o meu lençol quando me deito. 

Uma criança, na distância, 
sou a serra da tua infância. 

Quero galgar serra e distância 
nas tuas mãos de nuvens brancas, 
do mesmo modo quero a infância 
e os girassois das tuas ancas. 

A mim me basta, se me deito, 
morrer nas serras do teu peito.