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abril 01, 2018


MULHERES (Pablo Neruda)
Elas sorriem quando querem gritar.
Elas cantam quando querem chorar.
Elas choram quando estão felizes.
E riem quando estão nervosas.
Elas brigam por aquilo que acreditam.
Elas levantam-se para injustiça.
Elas não levam "não" como resposta quando
acreditam que existe melhor solução
Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.
Elas vão ao medico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.
Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prêmios.
Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversario ou um novo casamento.
De tanto te pensar, Sem nome, me veio a ilusão,
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.

De te pensar me deito nas aguadas

E acredito luzir e estar atada

Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.

De te sonhar, Sem nome, tenho nada
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
Do muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que existo e sou.

Quando sou nada: égua fantasmagórica

Sorvendo a lua n’água.

 *Hilda Hilst, no livro "Sobre a Tua Grande Face." São Paulo-1986.

NAS ERVAS ( Eugénio de Andrade)

NAS ERVAS (Eugénio de Andrade)

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.
 SONHO (Luís Filipe Castro Mendes)
Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.

Num poço ou num cristal me debrucei.
Só no teu rosto a morte me alcançava.

De quem a morte, por terror de mim?
De quem o infinito que faltava?
Numa casa de vidro vi meu fim.
Numa casa de vidro me esperavas.

Numa casa de vidro as persianas
desciam lentamente e em seu lugar
a noite abria o escuro das entranhas
e o teu rosto morria devagar.

Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Fiz do teu corpo sonho e não olhei
nas palavras a morte que guardavas.

Descemos devagar as persianas,
deixamos que o amor nos corroesse
o íntimo da casa e as estranhas
cerimónias do dia que adoece.

Numa casa de vidro. Num espelho.
Na memória, por vezes amargura,
por vezes riso falso de tão velho,
cantar da sombra sobre a selva escura.

Numa casa de vidro te sonhei.
No vazio dessa casa me esperavas.

OS CORPOS (Maria Tereza Horta)
O teu corpo
o meu corpo
e o corpo do poema
entre o gosto
o gozo, a escrita
que faz gemer de prazer
quem escreve
a chama infinita

O teu corpo, meu amor
e o corpo da minha escrita.

O CORPO ( Maria Tereza Horta )

O CORPO (Maria Tereza Horta)

Digo do corpo

o corpo
e do meu corpo
digo do corpo
o sítio e os lugares
de feltro os seios
de lâminas os dentes
de seda as coxas
o dorso em seus vagares
Lazeres do corpo
os ombros
as lisuras o colo alto
a boca retomada
no fim das pernas
a porta da ternura
dentro dos lábios
o fim da madrugada
digo do corpo
o corpo
e do teu corpo
as ancas breves
ao gosto dos abraços
os olhos fundos
e as mãos ardentes
com que me prendes
em súbitos cansaços
Vício de um corpo
o teu
com seu veneno
que bebo e sugo
até ao mais amargo
ao mais cruel grau
do esgotamento
onde em silêncio
nado em cada espasmo
Digo do corpo
o corpo
o nosso corpo
digo do corpo
o gozo
do que faço
Digo do corpo
o uso
dos meus dias
a alegria do corpo
sem disfarce. 


O MAPA (Carlos Clara Gomes)
despi-te
buscando o mapa de ti
só então dei conta
que nunca fora desenhado
ou então o cartógrafo que o fez
escondeu os trilhos para a saída
e foi assim
que toda a gente que tentou entrar na tua alma
por lá ficou
eu não fui excepção
ainda hoje não consegui sair
também
em abono da verdade
nem procurei a porta de saída.
PEÇO-TE (Sophia de Mello Breyner Andresen) 
Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento.

Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser.

Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite.


APENAS UM CORPO (Eugénio de Andrade)
Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.

Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
do peito e tremem,
pesadas de desejo.

Um rio interior aguarda.
Aguarda um relâmpago,
um raio de sol,
outro corpo.

Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.

Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado.
AMOR (Eugénio de Andrade)
Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua? Esse braço?
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente a tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

POEMA QUADRAGÉSIMO SEXTO (Joaquim Pessoa)
Peço-te. Não pises as violetas
que trago no olhar.

Falemos dos brilhos estilhaçados
desta casa súbita que é o teu corpo
devoluto. A noite devora as palavras possíveis,
o sofrimento que pulsa em tua boca
e torna a minha boca vulnerável.
O amor é um nada que a liberta, uma luz
que desce dos ombros para o ventre
e fecunda as sementes da tua virgindade,
essa que faz agora parte de uma dor quase
amigável, na lividez do tempo,
e que entregas em minhas mãos, beijando-as,
tornando-te parte dos meus versos, da
minha forma mais profunda de gostar
de ti.

Amar-te, é escrever-te.
Amar-te é deixar que me toques até ser teu,
até que te deites no meu corpo e adormeças
inteira dentro de mim.

Peço-te. Não pises as violetas
que trago no olhar. Cheiram a ti. São para ti.
Um "bouquet" de palavras que floriram
neste tempo de amor.