Flávia, - a linda vesta que a turba aclama,
sobe os degraus de mármore do templo,
por conservar acesa sempre a chama
em honra à deusa e à castidade exemplo.
Flávia as brasas reanima, e à companheira
que ali perto se encontra, alguma coisa
ao ouvido lhe segreda... e, alviçareira,
os glaucos olhos levantar não ousa.
Retira-se a outra, então. E logo, ufano,
eis que alguém se aproxima na hora única.
- É um nobre, bem se vê, jovem romano,
traçada ao ombro a esplendorosa túnica.
E ali mesmo, do templo no recesso,
o sacrílego rito se inicia.
Traz o mancebo, no semblante, impresso
o traço da paixão que o desvaria.
E Flávia entre os seus braços, seminua,
esquece os votos feitos, de pureza.
E em seus seios mais alvos do que a lua
chovem beijos de fogo e morbideza.
A cabeleira negra ei-la desfralda
quase sobre o altar onde arde o incenso.
Faíscam-lhe as pupilas de esmeralda,
nas reverberações de amor imenso.
Flávia delira... e tudo olvida... e implora...
nessa doce quebreira que ora a invade.
Jazem-lhe inúteis pelo chão agora,
as pétalas da desfeita virgindade.
Sabe que a morte porá termo ao sonho,
que em vida há de lhe abrir a sepultura.
Mas tudo desafiou, - rosto risonho, -
por um momento, apenas, de ventura.
Traçada ao ombro a túnica escarlate,
foge o jovem romano, triunfante.
Alguém o fio das lágrimas desata.
E trinam rouxinóis no bosque adeante.
Brilha o fulvo crescente no horizonte.
Os lírios, no jardim tremem de enleio.
Mas até na água múrmura da fonte
anda mais um soluço, que um gorgeio.
No altar da deusa a chama ei-la apagada,
sagrada chama onde o pudor se aninha.
E sobre as frias cinzas ajoelhada,
aquela que pecou, clama sozinha.
O amor, pecado o amor... o amor que é tudo,
causa do bem... origem da beleza!
O amor, Eros que a seta de veludo
crava nos corações com profundeza!
E por um crime enfim, que não é crime,
crime de amar a quem amor lhe trouxe,
irá ela pagar... - a ré sublime!
renunciando, na tumba, a amor tão doce?
Dela, dó nem tem mesmo a própria Vesta!
Flávia, - a sacerdotisa de olhar brando,
nunca mais os degraus do templo em festa