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01/08/2017

DO AMOR CONTENTE E MUITO DESCONTENTE – IV (Hilda Hilst)
Falemos do amor, senhores,
Sem rodeios.
[Assim como quem fala
Dos inúmeros roteiros
De um passeio].
Tens amado? Claro.
Olhos e tato
Ou assim como tu és
Neste momento exato.
Frio, lúcido, compacto
Como me lês
Ou frágil e inexato
Como te vês.
Falemos do amor
Que é o que preocupa
Às gentes.
Anseio, perdição, paixão,
Tormento, tudo isso
Meus senhores
Vem de dentro.
E de dentro vem também
A náusea. E o desalento.
Amas o pássaro? O amor?
O cacto? Ou amas a mulher
De um amigo pacato.
Amas, te sentindo invasor
E sorrindo
Ou te sentindo invadido
E pedindo amor. (Sim?
Então não amas, meu senhor)
Mas falemos do amor
Que é o que preocupa
Às gentes: nasce de dentro
E nasce de repente.
Clamores e cuidados
Memórias e presença
Tudo isso tem raiz, senhor,
Na benquerença.
E é o amor ainda
A chama que consome
O peito dos herois.
E é o amor, senhores,
Que enriquece, clarifica
E atormenta a vida.
E que se fale do amor
Tão sem rodeios
Assim como quem fala
Dos inúmeros roteiros
De um passeio.