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06/12/2023

OS QUATRO ELEMENTOS ( Vinícius de Moraes )

 I — O FOGO

 

O sol, desrespeitoso do equinócio

Cobre o corpo da Amiga de desvelos

Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pelos

Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio.

 

E ainda, ademais, deixa que a brisa roce

O seu rosto infantil e os seus cabelos

De modo que eu, por fim, vendo o negócio

Não me posso impedir de pôr-me em zelos.

 

E pego, encaro o Sol com ar de briga

Ao mesmo tempo que, num desafogo

Proibo-a formalmente que prossiga

 

Com aquele dúbio e perigoso jogo…

E para protegê-la, cubro a Amiga

Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.

 

 

II — A TERRA

 

Um dia, estando nós em verdes prados

Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa

Ei-la que me detém nos meus agrados

E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa

 

Com face cauta e olhos dissimulados

E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza

Como se os beijos meus fossem mal dados

E a minha mão não fosse mais precisa.

 

Irritado, me afasto; mas a Amada

À minha zanga, meiga, me entretém

Com essa astúcia que o sexo lhe deu.

 

Mas eu que não sou bobo, digo nada…

Ah, é assim… (só penso) Muito bem:

Antes que a terra a coma, como eu.

 

 

III — O AR

 

Com mão contente a Amada abre a janela

Sequiosa de vento no seu rosto

E o vento, folgazão, entra disposto

A comprazer-se com a vontade dela.

 

Mas ao tocá-la e constatar que bela

E que macia, e o corpo que bem posto

O vento, de repente, toma gosto

E por ali põe-se a brincar com ela.

 

Eu a princípio, não percebo nada…

Mas ao notar depois que a Amada tem

Um ar confuso e uma expressão corada

 

A cada vez que o velho vento vem

Eu o expulso dali, e levo a Amada:

— Também brinco de vento muito bem!

 

 

IV — A ÁGUA

 

A água banha a Amada com tão claros

Ruídos, morna de banhar a Amada

Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar

Os sons como se foram luz vibrada.

 

Mas são tais os cochichos e descaros

Que, por seu doce peso deslocada

Diz-lhe a água, que eu friamente encaro

Os fatos, e disponho-me à emboscada.

 

E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a

A contar-me o que houve entre ela e a água:

— Ela que me confesse! Ela que diga!

 

E assim arrasto-a à câmara contígua

Confusa de pensar, na sua mágoa

Que não sei como a água é minha amiga.