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25/11/2024

MEMÓRIAS DOS INSTANTES ( Alba Simões )

 Quando a alma empalidece,

pelas marcas que o tempo tece,
Não há que questionar a vida.
Aquilo que ficou na curva de um rio,
na beira da estrada,
nos desembarques dos sonhos
Se pudéssemos consagrar cada momento desperdiçado, 
nos alpendres das ilusões.
Viveríamos tudo com mais intensidade

Olho a chuva que lava estas vidraças,
e a casa está vazia
Nada além deste pensamento em palavras,
e o fluxo deste instante que se esvai.
Memórias
Este cheiro de tinta fresca, nas velhas paredes,
E estas parecem me ler através das finas camadas
Nestas almas, por estas marcas, e dentro destas camadas

Relembro muitos embarques e desembarques.
Nestas estações de esperas e despedidas
Observo através do intransponível.
Quantos pensamentos por aqui já passaram
Guardo este momento, para os próximos instantes
Entrego-me agora.
E tudo me toca
Sinto o absoluto inteiro, 
pelas minhas metades
A vida pulsa!

ACHAMOS ( Fernanda Villas Boas )

 Achamos um quarto e lá nos instalamos

com medo de denunciar o resto. 
Rosto desaparecido pela corrupção
ou pelo que você achar melhor. 
A mania de cinema
o prazer de jogar as pernas pra frente
e dizer tudo que vem na mente. 
Porque não sentes, mais do que pensas?
Não sei. 
O prazer de se jogar na cama e de se amar, amar, amar
até adormecer casadamente feliz. 
Dois corpos tornam-se um
um corpo torna-se meio
meio corpo torna-se uma partícula mínima de verdade. 
E o peso é a sensação de estar numa biblioteca de loucos
onde se aprende tudo por osmose. 
As mesas escassas
as pessoas descalças
pisando naturalmente, 
amando os parques jamais conhecidos
nem tão pouco reais. 
De repente
um vento forte derruba tudo. 
E um céu cor de rosa penetra no meu coração cansado
como aqueles castigos que dão na escola quando a gente não
quer fazer a lição.
Prometo não desobedecer à escola.
nem ao professor
louco e descalço
rouco e esfarrapado
que me assustou
que me afugentou
que me quis...

Hoje
quero o último canto
e num barco azul entrar
ultramarinhamente no mar dos eus soltos e livres
e com a minha mente somente transparente,
saber de todos os cantos
de todo este poder oculto.
Até ao azul morrer...


PALAVRAS DESPIDAS ( Alba Simões )

 O meu sonho, navegante vai.

Dançarino, viajante e contente
como a nua expressão da minha alma.
Cavalga sobre todos os instantes
E flutua rindo como um Pégaso.
Desmaia numa noite de eclipse,
e dança com a estrela ao meio-dia
Sente a vida impetuosa e satisfeita,
na implacável verdade do sol.
O meu poema sussurra no abismo em silencio.
Desejo desta luz, a minha extrema profundidade!
Transcende o longínquo futuro, que nenhum poeta viu.
Vai para além destas palavras despidas.
Vai para além destas catedrais de parábolas e fantasias.
Vai para além do amor e da morte.
E perpetua-se neste palco inventado,
entre as cenas desta vida!

24/11/2024

CANÇÃO DA PLENITUDE ( Lya Luft )

 Não tenho mais os olhos de menina

nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força - que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés - mesmo se fogem - retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

ORAL ( Paulo Soares )

 Antes

Do coito,

Do gozo

Da consoante com a vogal.

Verdade seja dita!

O prazer da transa escrita

Passa primeiro pela linguagem oral.


by Paulo Soares

Com a boca,
teu corpo recito.

Entre as pernas,
a tua poesia
eu excito.

Declamo-te
com a língua 
até ouvir grito.

Nesse recital,
teu orgasmo
é meu recital 
favorito.

23/11/2024

UM SOPRO DE VIDA (Pulsações) ( Clarice Lispector )

 Ela é tão livre que um dia será presa.

– Presa por quê?
– Por excesso de liberdade.
– Mas essa liberdade é inocente?
– É. Até mesmo ingênua.
– Então por que a prisão?
– Porque a liberdade ofende.

21/11/2024

ESTE LIVRO ( Florbela Espanca )

 Este livro é de mágoas. Desgraçados

Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas  Dores Ansiedades!
Livro de Sombras Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo (Trouxe-o no meu seio)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!

VELHINHA E MOÇA ( Florbela Espanca )

 O tempo, mansamente, há de espalhar

Flocos de neve sobre os meus cabelos,
Numa carícia deixará os selos,
No meu corpo gentil, o seu sabor

Ao meu sangue fremente, a palpitar,
Hão de esfriá-lo sucessivos gelos,
E aos meus seios graciosos hei de vê-los
Mirrados como lírios a fechar

Mas mesmo quando for assim velhinha
O teu amor fará um alvoroço
Na minh’alma e graça de menina

E até morrer, o meu olhar cansado,
Fitando o teu há de julgar-se moço,
Num enlevo de eterno enamorado.

20/11/2024

by Lília Tavares

 Há mulheres que falam silêncio. Enchem a vida como um

batel de sonhos. Se lhes perguntam se querem falar do que
arrastam, respondem que é das gaivotas que preferem falar.
Trocam a terra firme pelo baloiçar das águas. Não têm
âncoras nos barcos, pois é com as mãos e a alma
que querem agarrar as amarras do cais.
Largam abrigos sem consultar as bússolas e os astrolábios
dos navegadores. Não mareiam, deslizam. Não cismam
no que não têm, antes observam as mãos abertas
e encontram-nas vestidas de sonhos.
Aconselham-se com as marés e escutam os peixes
que vêm à tona. Vestem-se para uma festa todas as noites,
mesmo que as noites não se abram no vento.
Adormecem em almofadas de penas.
Os seus corações não precisam de leme.

 

Há mulheres que são as últimas chamas a serem sopradas
sempre que a noite entorpece os corpos.
São nas frias manhãs, a lenha para aquecer as paredes
adormecidas da casa. Desconhecem onde acorda
o calor dos seus braços que alimentam as bocas, estendem
as roupas, amassam a vida e o pão fresco com sorrisos.
Os dias não acontecem sem mulheres que têm na pele
a véspera do cio das abelhas.

 

Há mulheres que com lisura se lavam, contornando
ao de leve pequenas ilhas no corpo. Aspiram odores antigos,
cerram os olhos como se por acaso
se perdessem em memórias do lado de lá da pele.
Com lágrimas limpas se expiam nas reentrâncias, conchas
seladas para sempre onde guardam velado o sal das marés.
Nasce nelas um prenúncio de noite. A linfa do corpo
é etérea como o perfume antigo da ternura.

16/11/2024

BEBENDO VOCÊ ( Sandra Camurça )

quero você na minha boca
inteiro
na minha boca
até a última gota



CAUDAIS ( Lívio de Oliveira )

Um sonho dúplice
explode sob a blusa transparente
da moça incauta
e se conduz à minha língua
sedenta de líquidos sagrados,
vinhos e mostos,
óleos e leites.
Formas circulares,
arredondadas,
preenchidas e recobertas
por matéria mágica.
Tudo é santo
nessa dama eufórica.
Sorriso puro de aprendiz,
neófita de posições,
de atitudes,
e eu, louco vampiro.
alimentando-me
de sua pureza,
agora já descoberta,
como seu corpo
que emerge das águas
e dos sais
desse mar de gozos
abissais,
cachoeiras e fontes
que jorram de mim.



ALUCINAÇÃO MOLHADA ( Lívio de Oliveira )

Não ficarei atento,
nem me ocuparei com a chuva,
já que mantenho
em meu peito doído e morno
a eterna ilusão de te possuir.
Guardarei, sim, os movimentos
de teus pés inquietos,
artelhos, ancas e joelhos.
E serei indormido vigilante
do ziguezaguear de teu pescoço
desnudado.
A artéria delicada pulsa
todo o sangue
que te alimenta
e que escorre pelo lábio
no êxtase da longa noite
– caça, golpes certos,
intensos, profundos –
e os dentes se arremessam
na penetração anatômica
exata de outra tua irmã,
tão livre, tão vampira,
com quem estive há pouco.
De teu voo surge
única e verdadeira revolução
de onde desponta,
insólito,
quase móvel,
atrevido invasor.
Um leve sinal negro
cresce em formas
as mais estranhas,
as mais bizarras,
formando um ser gigante,
uma fêmea superior,
pálida,
pálida,
linda,
linda,
com a boca derramando
líqüido rubor.
Os cabelos,
rédeas que prendo a uma só mão,
guiam-me para um espaço
abstrato, etéreo.
Ali, numa dimensão
que desconheço,
inebriado,
conforto-me da madrugada
fria, fria, fria,
acreditando que tua sedução
e teu pouco calor
serão, mais tarde, minha toda

(porém improvável)
salvação.


ALUMIADA ( Lília Diniz )

 Careço de ti

iluminando os meus dias

com a lamparina

dos teus olhos


SABOR NORDESTINO ( Lília Diniz )

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RUPI KAUR, in LEITE E MEL

 só de pensar em ti

as minhas pernas abrem-se

como um cavalete e tela

à espera da arte



 



RUPI KAUR, in LEITE E MEL

 dizes para me acalmar

porque as minhas opiniões me tomam menos bonita
mas não fui feita com um fogo no peito
para que conseguissem apagar-me
não fui feita com ligeireza na língua
a para que fosse fácil engolir-me
fui feita pesada
meio espada meio seda
difícil de esquecer e nada fácil
de a mente entender

ARAGEM ( Gonçalo Salvado )

 Como aragem perfumada

a mim te entregas, minha amada.

E não sei se existes ou se te sonho:
meu desejo te nomeia
pura brisa de folhagem.

Que aroma me envolve quando te despes?

Esta fragrância que me inebria
vem do teu corpo ao desnudar-se
ou da luz rosada que amanhece?

EMBRIAGUEZ ( Gonçalo Salvado )

 Toda a noite bebi vinho.

Mas foi o teu corpo
que me embriagou.

15/11/2024

NADA CONTRA ( Joaquim Pessoa )

 Nada tenho contra o escaravelho

nem contra o cuco nem contra o grilo. Muito
menos tenho algo contra o ganso. Ou contra
o gato preto ou o malhado, ou a mosca, ou o morcego.
Não me queixei, e nem me queixo nunca
do caracol, do cão, do caranguejo,
da simpática borboleta, da andorinha, da alforreca,
da pequena víbora, da vaca, da ostra, da medusa.
Nem nada me move contra
o melro, o lobo, o lince e o falcão.
Ao lagarto, ao corvo e à pega não quero mal.
Nem ao pardal nem ao hipopótamo.
Muito menos à pequeníssima libélula.
Acho mesmo simpática a galinha.
E muito simpática a gaivota.
Confesso até, com satisfação, que adoro a águia
e que tenho preferência pela abelha.
A cegonha, o cavalo, o cisne e a cigarra
são-me tão agradáveis como o coelho, o pato, a cotovia.
Não me intimidam nem o tigre nem a cobra,
não me assustam a cheeta, a onça, o leopardo
e não me apavora o crocodilo. Mas
Deus me livre desse animal
que existe em ti.

POEMA SOBRE A VELHICE ( José Saramago )

 Quantos anos eu tenho?

O que importa isso?
Tenho a idade que escolho e que sinto!
A idade em que posso gritar sem temor o que penso,
fazer o que desejo sem receio de errar,
pois trago comigo a experiência dos anos vividos
e a força inabalável das minhas convicções.

Não importa quantos anos tenho,
não quero saber disso!
Alguns dizem que estou velho,
outros afirmam que estou no auge.
Mas não são os números que definem a minha vida,
não é o que dizem,
mas sim o que o meu coração sente
e o que a minha mente dita.

Tenho os anos suficientes para gritar minhas verdades,
fazer o que quero,
reconhecer velhos erros,
corrigir rotas e valorizar vitórias.
Já não preciso ouvir:
“Você é jovem demais, não vai conseguir”,
ou “Você está velho demais, o seu tempo já passou”.

Tenho a idade em que as coisas são vistas com serenidade,
mas com o desejo incessante de continuar crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos
podem ser tocados com os dedos,
e as ilusões se transformam em esperança.

Tenho os anos em que o amor,
às vezes, é uma chama ardente,
ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão.
Outras vezes, é um porto de paz,
como o pôr do sol que se reflete nas águas tranquilas do mar.

Quantos anos eu tenho?
Não preciso contar,
pois os desejos que alcancei,
os triunfos que obtive,
e as lágrimas que derramei pelas ilusões perdidas,
valem mais do que qualquer número.

O que importa se fiz cinquenta, sessenta ou mais?
O que realmente importa é a idade que sinto,
a força que tenho para viver sem medo,
seguir meu caminho com a experiência adquirida
e o vigor dos meus sonhos.

Quantos anos eu tenho?
Isso não importa!
Tenho os anos suficientes para não temer mais nada,
e para fazer o que quero e sinto.
A idade? Não importa quantos anos ainda tenho,
porque aprendi a valorizar o essencial
e a carregar comigo apenas o que realmente importa!

14/11/2024

IMPROVÁVEL POEMA ( Ana Cláudia Quintana Arantes )

 Um poema é algo mutável

quando aparece, não existe,
mas já era antes.
Mas então, de repente,
não acontece.
Esconde-se sob uma esquina,
observa.
Insinuado numa outra voz,
disfarçado atrás de um olhar
ou até vindo
de um tempo sem lugar.
Um poema é vestido de silêncios,
mas sua pele nua
sugere a vida na morte.
Parece calar,
mas, entre as linhas, gritos e sussurros
suas sobrepostas letras soletram.
Um poema é mar, ondas vagas de tinta,
cheio de brancos.
Um poema é sal, de mar e de lágrimas.
Inspira e suspira leveza ou tristeza.
Um poema pulsa nas mãos que vivem ou matam,
em mistérios comove-se
e perde suas palavras,
que nascem, fielmente livres,
para sempre.
Um poema é um sonho
de um artista inconfessável
intimamente calado,
ao menos em parte.
Um poema é apenas um milagre
pois até viver
parece impossível.

DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO ( Hilda Hilst )

 Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.

E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

09/11/2024

HISTÓRIA DE UM SORRISO ( Rita Gaspar )

 O teu sorriso desperta o meu

e quando os teus olhos o vêem

ele abre-se mais

abre-se todo e espalha-se

pelo meu corpo que é já teu

e que se solta e vibra

na cadência fina do teu olhar

(imperceptível, mas fundo)

Enquanto a temperatura sobe

o teu toque desperta a minha música

como se eu toda fosse

um instrumento de cordas

sobre uma pele hirta e lisa

em corpo de madeira quente e rijo

pronto para receber o teu desejo

num beijo que inunda

uma língua que procura

como se tu todo fosses

um mar de ondas

que me invade e não se detém

(uma fome que não se sacia)




CANTO DE GUEIXA II ( Rita Gaspar )

 Sonhei contigo a minha noite

e em ti o meu amor

Quantas frases serão precisas

tanto amor assim…

tanto desejo

desde quando?

Ontem era Agosto

amanhã é lua cheia

hoje somos levados pela madrugada

Faço amor contigo na areia fria

sou alvorada à espera do calor

da tua manhã

o meu corpo crepúscula enquanto

ainda não me fazes noite

Só tu acordas o meu corpo com o teu canto


CANTO DE GUEIXA I ( Rita Gaspar )

 Os pés e as mãos atados, encantados

sentem já mil carícias ao encontro

do sopro leve da tua voz

A magia dos teus dedos

antecipa o desejo no meu corpo

só ele me liberta

me dá sentido, sentir, prazer

é ele que me mantém presa

suspensa, gueixa adormecida

Sobre mantos de esperas

passam luas e estrelas

verões e primaveras

e os olhos são silêncio

doce fardo, suave terra

Esperar-te é apurar a saudade

o desejo conjugado na ausência

presente-mais-que-próximo

momento-mais-que-perfeito

esse em que tu regressas

e me envolves e me deleitas