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28/01/2025

Paulo Leminski

Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga

ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa

25/01/2025

EM TEUS DEDOS ( Célia Moura )

 Em teus dedos andarilhos

me edifico e aninho.
És o maestro eleito
do meu corpo de silêncio
vibrando arco-íris
num hino de alegria.
Em tuas mãos me entrego
e rendo por inteira
feito peregrina ou rainha
mas sempre
essência de mulher.
Em teu corpo
me embalas e alivias
toda a dor
enquanto regresso a nós
num odor de frescas rosas
e lírios desta terra nossa
acabada de fecundar.
És elixir renovado neste meu ventre
feito êxtase, feito grito
fazendo gemer,
germinar sementes.

24/01/2025

SEU CHEIRO ( Célia Moura )

 Do seu corpo guardo o cheiro a fêmea,

a mulher que me conteve de lés a lés
sempre que seus olhos me incendiavam
de paixão e neles naufragava
somente para me salvar.
Ainda lhe ofereço as mesmas flores,
e ao entardecer
por vezes visito seu sono
com poesia entre mãos
chuvas escorrendo saudade pelo rosto.
Sento-me no verde do chão
e creio que por um instante
mais veloz que o vento
sinto o palpitar suave de um coração.
É quando parto inaugurado de luz
desta ausência gritante de silêncio
que guardo em segredo.
Seu cheiro que em mim habita
sorri, embriagando-me de jasmim.
Imagino-a outra vez
empoleirada no varandim desnudado da memória
gargalhando como uma criança
entrelaçada em mim
cantarolando para o mar
até adormecer lauta e exausta
em seu porto de abrigo
meu corpo
nossos corpos tão aflitos
por beijar.



23/01/2025

Lília Tavares, in NAS MÃOS A SEDE DOS PÁSSAROS

 Não, elas não são esculturas nómadas. Nem lagos

vazios. Nunca serão caminho desvirtuado de flores.
Resistem à cegueira de quem as pisa.
Não lhes voltem a cara se os seus traços não se
aproximam dos de afrodite.
Elas mostram no rosto o viço das cerejas em tardes
de calor.
São fontes e corre delas água fresca.
De mármore ou granito róseo e cinzento, ocultam na
alma o cinzel cativo de camille e o escopro
arrebatado de rodin.
Para não cristalizarem de tristeza, ausentam-se do
silêncio do esquecimento.
Reaparecem. Trazem rostos e mãos de carne.
Beijam com lábios escarlates.
As mulheres.

22/01/2025

DUAS DAS FESTAS DA MORTE ( João Cabral de Melo Neto )

 Recepções de cerimônia que dá a morte:

o morto, vestido para um ato inalgural;
e ambiguamente: com a roupa do orador
e a da estátua que se vai inaugurar.
No caixão, meio caixão meio pedestal,
o morto mais se inaugura do que morre;
e duplamente: ora sua própria estátua
ora seu próprio vivo, em dia de posse.
              

Piqueniques infantis que dá a morte:
os enterros de criança no Nordeste:
reservados a menores de treze anos,
impróprios a adultos (nem o seguem).
Festa meio excursão meio piquenique,
ao ar livre, boa para dia sem classe;
nela, as crianças brincam de boneca,
e aliás, com uma boneca de verdade.

21/01/2025

TELA ( Ana Salomé )

 Hoje sou eu que poso para o teu poema

Como uma modelo numa cama de flores

Que estaria

A vida inteira diante dos teus olhos

Até ser só ossos, ouro, palavras, rebentação.


OS NAMORADOS LISBOETAS ( Natália Correia )

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O LIVRO DOS AMANTES ( Natália Correia )

Glorifiquei-te no eterno.

Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II
Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III
Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV
Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

V
Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.

VI
Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

VII
Tu pedes-me a noção de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactidão em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.

Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo
sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.

Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.

VIII
Eis-me sem explicações
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.

IX
Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

A ARTE DE SER AMADA ( Natália Correia )

 Eu sou líquida mas recolhida

no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária

aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.

Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.

Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.

Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.


 

19/01/2025

A LÍNGUA LAMBE ( Carlos Drummond de Andrade)

 

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

 


 

A LÍNGUA GIRAVA NO CÉU DA BOCA (Carlos Drummond de Andrade)

 

COXAS BUNDAS COXAS ( Carlos Drummond de Andrade )

 Coxas    bundas   coxas

bundas  coxas     bundas
lábios    línguas   unhas
cheiros  vulvas     céus
terrestresinfernaisno espaço ardente de uma hora
intervalada em muitos meses
de abstinência e depressão.

MULHERES GULOSAS ( Carlos Drummond de Andrade )

As mulheres gulosas




Ó TU, SUBLIME PUTA ENCANECIDA (Carlos Drummond de Andrade)

 Ó tu, sublime puta encanecida,

que me negas favores dispensados
em rubros tempos, quando nossa vida
eram vagina e fálus entrançados,

agora que estás velha e teus pecados
no rosto se revelam, de saída,
agora te recolhes aos selados
desertos da virtude carcomida.

E eu queria tão pouco desses peitos,
da garupa e da bunda que sorria
em alva aparição no canto escuro.

Queria teus encantos já desfeitos
re-sentir ao império do mais puro
tesão, e da mais breve fantasia.

TOADA DO AMOR (Carlos Drummond de Andrade)

 E o amor sempre nessa toada:

briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse êle, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.

ANGELA ADONICA ( Pablo Neruda )

 Hoje deitei-me junto a uma jovem pura

como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas estendidas
e oculto fogo.

MULHER FENOMENAL ( Maya Angelou )

 Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo

Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo

Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Quando um recinto adentro,
Tranquila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura

Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Mesmo os homens se perguntam
O que veem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam

É o arco das costas,
O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu

Agora você percebe
Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar

Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu.

EM TI A TERRA ( Pablo Neruda )

 Pequena

rosa,
rosa pequena,
às vezes,
mínima e nua,
pareces
caber numa única
das minhas mãos,
para assim te segurar
e levar à boca,
mas
logo
meus pés tocam teus pés e minha boca teus lábios:
cresceste,
erguem-se teus ombros como duas colinas,
teus seios passeiam-se pelo meu peito,
o meu braço mal consegue abraçar a linha
estreita de lua nova da tua cintura:
solta no amor como a água do mar:
meço apenas os olhos mais vastos do céu
e inclino-me para a tua boca para beijar a terra.

VEM MORRER VIVENDO NOS MEUS BRAÇOS (Lília Chaves)

 Vem morrer vivendo nos meus braços

Preenche com meu colo teus espaços
Do avesso do meu não, faz o teu sim
Vem poetar de amor dentro de mim

Grita o aroma rubro do desejo em flor
Perde teu gosto fulvo desta pele em cor
Pensa nas sombras de gemidos vãos
E faze de meus lábios tuas mãos
Sente meu toque no teu toque exangue
Vive meu gozo em teu próprio sangue

Dá-me teu beijo para que eu afague
Dá-me teus olhos para que eu me afogue
Teu pensamento onde minh'alma cabe
E que meu corpo no teu corpo acabe

OS TEUS PÉS (Pablo Neruda )

 Quando não posso contemplar teu rosto,

contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

13/01/2025

COM AS MÃOS ( Eduíno de Jesus )

 com as mãos

construo
a saudade do teu corpo
onde havia

uma porta
um jardim suspenso
um rio
um cavalo espantado à desfilada

com as mãos
descrevo o limiar
os aromas subtis
os longos estuários

as crinas ardentes
fustigando-me o rosto
a vertigem do apelo nocturno
o susto

com as mãos
procuro ainda colher o tempo
de cada movimento do teu corpo
em seu voo

e por fim destruo
todos os vestígios (com as mãos)
brusca-
mente