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28/05/2017

ADÃO  E  EVA José  Régio )
Olhamo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.
 E cada um de nós sonhou que o achara.

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
 Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
 Meu nome é Adão.

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!


Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
 Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:


Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado.
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
 Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho pai desprezado!
E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe.

Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce.
Depois.

Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
 Que Jeová não sabe perdoar!
O arcanjo entre nós dois abrira a longa espada.

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!