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novembro 22, 2017

A CANTORA GRITANTE (Hilda Hilst) 
Cantava tão bem

Subiam-lhe oitavas
Tantas tão claras 
Na garganta alva 
Que toda vizinhança 
Passou a invejá-la. 
(As mulheres, eu digo, 
porque os homens maridos 
às pampas excitados 
de lhe ouvir os trinados, 
a cada noite

em suas gordas consortes
enfiavam os bagos).
Curvadas, claudicantes
De xerecas inchadas
Maldizendo a sorte
Resolveram calar
A cantora gritante.
Certa noite de muita escuridão
De lua negra e chuvas
Amarraram o jumento Fodão a um toco negro.
E pelos gorgomilos
Arrastaram também
A Garganta Alva
Pros baixios do bicho.
Petrificado
O jumento Fodão
Eternizou o nabo
Na garganta-tesão aquela
Que cantava tão bem
Oitavas tantas tão claras
Na garganta alva.

Moral da estória:
Se o teu canto é bonito
cuida que não seja um grito.