Com que palavras irei escrever agora o nome
das horas que entram pela cama em que noutra vida
te ensinei o caminho do meu corpo
e da justeza dos gestos com que a alegria
se desenhava em mim quando dizias
agosto tu vais ver é a nossa pátria
nessa altura o verão vinha ainda muito longe
e por isso era possível acreditar em frases dessas
esperando que tudo acontecesse
como nos perdoáveis lugares-comuns dos filmes
que estreiam sempre no natal
e furiosamente desejei que a paixão se enredasse
entre os limos e sargaços das tuas pernas
mas agosto foi apenas um lugar de emboscadas
em todos os precipícios da nossa cama
e lentamente as águas definiram
com rigor implacável
o que sobrava de ti nas minhas mãos
e o silêncio baixou sobre as águas
como antes da invenção do mundo
e agora não sei onde acaba o teu nome
e começa o nome de deus.
(Alice Vieira)