EU SOFRIA QUANDO ELA ME DIZIA (Carlos Drummond de Andrade)
Eu sofria quando ela me dizia: “Que tem a ver com as calças, meu querido?”
Vitória,Imperatriz, reinava sobre os costumes do mundo anestesiado
e havia palavras impublicáveis.
As cópulas se desenrolavam — baixinho — no escuro da mata do quarto
fechado.
A mulher era muda no orgasmo. “Que tem a ver...” Como podem lábios
donzelos
mover-se, desdenhosos, para emitir com tamanha naturalidade
o asqueroso monossílabo? a tal ponto
que, abrindo-se, pareciam tomar a forma arredondada de um ânus.
A noite era maldormida. A amada vestida de fezes
puxava-me, eu fugia, mãos de trampa escorregante
acarinhavam-me o rosto. O pesadelo fedia-me no peito.
O nojo do substantivo — foi há trint’anos —
ao sol de hoje se derrete. Nádegas aparecem
em anúncios, ruas, ônibus, tevês.
O corpo soltou-se. A luz do dia saúda-o,
nudez conquistada, proclamada.
Estuda-se nova geografia.
Canais implícitos, adianta nomeá-los? esperam o beijo
do consumidor-amante, língua e membro exploradores.
E a língua vai osculando a castanha clitórida,
a penumbra retal.
A amada quer expressamente falar e gozar
gozar e falar
vocábulos antes proibidos
e a volúpia do vocábulo emoldura a sagrada volúpia.
Assim o amor ganha o impacto dos fonemas certos
no momento certo, entre uivos e gritos litúrgicos,
quando a língua é falo, e verbo a vulva,
e as aberturas do corpo, abismos lexicais onde se restaura
a face intemporal de Eros,
na exaltação de erecta divindade
em seus templos cavernames de desde o começo das eras