TESTAMENTO (Alda Lisboa)
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro.
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda.
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus.
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada.
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor.
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora.
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua.