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junho 23, 2020

TESTAMENTO (Alda Lisboa)

TESTAMENTO (Alda Lisboa)

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro.

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda.

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus.

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada.
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,

Deixo-os a ti, meu amor.
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,

Vás por essa noite fora.
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua.