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julho 14, 2024

PRINCÍPIO DO ESCURO ( Margarida Vale de Gato )

Acordei hoje como se fosse natural­
mente necessário ter o comprimento
do teu corpo na minha cama e estranhei
que não me abraçasses, nem preenchesse
o encaixe da tua pélvis
as minhas nádegas, a tua mão
sobre o meu monte, os teus joelhos
encostados à dobra onde os meus flectem

 

Vês daí como tudo aqui ainda e sempre

treme continuamente, e a descompasso

do real, todos os dias tenho calores

de imaginação, trabalho a libido

do cansaço, se fecho os olhos não durmo,

encho-me, ao invés, de fricções. Depois

no outro plano, já sentiste, custa-me

estar presente: das consecutivas vezes

que nos tocámos na boca, estudei os beijos

como uma alegoria embaraçosa:

tudo sob o comando diferido

da cabeça, com tensão mais que tesão,

a minha língua esgrimia a tua, quase

nada clamava ou humedecia, talvez

exceptuando um latido pequeno de amor

a pingar com irritação, não sei,

e além do mais haveria a indagar

se são de facto compatíveis nossas

espécies, se nisso há inevitabilidade,

ou onde preciso das tuas carícias

nos anéis das cervicais ou dedos

na pele ou o princípio do escuro

a partir do perímetro da cintura.