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31/01/2018

MIGNON (Ana Horta)
Um rapaz de linho antigo avança pelo rio...
És tu, minha amada?
Convoco-te
No incauto exercício da memória:
Sabores de suor
A pele transida na fímbria do universo
A vida e a língua equilibrando-se no gume da lucidez
Transbordando as nossas águas já quase sem terra para umedecer
Meu corpo desidratado no teu
E tu em mim quase exígua de desejo 
As línguas loucas no sexo
Mãos como mapas de abril
Abrindo territórios selvagens
Por entre todos os membros
Pés, joelhos, pernas
E a vida toda desmembrada, passo a passo, naquele quarto.
Uma romã...
Queria eu recordar
Como o fruto mais difícil de comer
Demorado
E o suco
escorrendo entre seus seios
Na noite negra da cidade
Os teus cabelos úmidos que me sufocavam
Como me sufoca agora a garganta seca da memória.
Comi o deserto para poder recordar-te
Quando toda água já se evaporou dos nossos corpos.
E agora fico aqui,
com um nó intocável
Em parte nenhuma do corpo
Que já não existe.