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30/06/2025

A ARTE DE LER ( Mário Quintana )

 O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

Foto: poesia-me (facebook)

29/06/2025

Célia Moura, in "No hálito de Afrodite"

 Bebo-te às golfadas

Meu êxtase de olhares vislumbrados
Em cadências súbitas
Nas tuas mãos de organza
Em minhas coxas prenhes de grito
E de ti.

Estilhaço-me
Nas naus dos navios
Que teus braços arrastam de mim

Bebo-te incessantemente
Até ao rasgar do Templo
E faço amor plena de aromas
E de mim.

28/06/2025

MAR ( Sophia de Mello Breyner Andresen )

 I

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.

MULHER - ASCENDENTE ( Marília Miranda Lopes )

 Urge o teu retorno, mulher-criatura

Do princípio das eras, do âmago.
Urge a tua liberdade, a tua voz
Abafada pelos ditadores do mundo.

Urge tempo consagrado a ti mesma,
Mulher criadora de marés e ventos,
Espírito galáctico de amor,
Na sua dança circular, maior
Do que os limites de qualquer sistema.

Urge o teu regresso, ó mulher-poema
Vinda dos campos, vinda do espaço,
Proferindo versos não programados
Contra a hipocrisia de quem corrompe
A liberdade, a justiça, o respeito.

Urge a sinapse, o salto, a catapulta,
A transformação desta vida bruta:
Acordar não pode ser um martírio
Transmitido em direto nos aquários.

Urge o teu Verbo, só reverberado
Num regaço de mãe, após o parto.

Assim, enquanto não gritas, o teu nome
Vai constando nos autos, nos jornais,
Nas redes pesqueiras de vãos perfis:
“Vítima de homicídio”, de violência,
Morta na estrada, em casa, em decadência.

Assim, enquanto em ti dormir a Deusa,
O desnorte é um quotidiano demente
na bruma que trazes ainda suspensa.

Desse nevoeiro secular, novos genes
Trazem links de vitória e de mudança
Que dentro do teu ventre esperam vez:

Que nasçam Pioneiras e não Primevas,
Que sejam mais Elas e não as Evas
Pecadoras, culpadas e então expulsas
Dos paraísos que havia dentro delas.

A cada mulher cabe uma cambiante:
Água que lhe lave o curso da história,
O curso da mente, o semblante pesado,
Água de rosa que no rosto avive
A curva expressiva e rubra, ascendente.

POEMA DE VICTORIANAS ( Marília Miranda Lopes )

 Elas escreviam à máquina na minha cabeça

A meio da noite, acordava com teclados
martelares contínuos. que quereis, perguntava
Não me diziam. amuavam nos seus olhos baixos
Transportavam-me na melodia mecânica dos corpos
Seria percussão no que insistiam? porque não me
deixavam
no sono?
Victorianas, queriam bicicletas, deixar desmaios
romper urbes
firmar gaivotas.

Hoje escrevo com o arquivo delas na garganta
Não me engasgo com enciclopédias de enxovais
Regurgito as formas que me trazem vagabunda na
estrada
no romper de caminhos
Imberbe de pranto, ensurdeço. que mudas vós gritais
Que sempre fechados genitais
ao corpo deles, inquietos.

Brame a flâmula. sou de vidro ainda cedo. as tardes
são cálidas nuvens chovendo cíclicas inspirações
Transpiro. vindes calar-me, agora sei: calar com o som
determinado a auscultar
o meu próprio batimento
Tremulamente me levanto da cama
onde pousam combinações de outrora
Rendadas me trazeis nas mãos. sinto-as na boca fechada
O meu silêncio é a vossa chama. um não dizer que bateis
sobre a secretária antiga.

POEMA DE HELENA LANARI ( Sophia de Mello Breyner Andresen )

 Gosto de ouvir o português do Brasil

Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal

Quando Helena Lanari dizia o «coqueiro»
O coqueiro ficava muito mais vegetal

27/06/2025

Por Estela Fiorin

 Ele apertou minha bunda

Eu me assustei, mas me virei com um sorriso
Quando reconheci a mão
Que me tocava.
O beijo me deixou molhada;
Certamente borrou meu batom vermelho
E minha calcinha,
Que insistia em dizer que estava com vontade.
Ansiei para que sua mão descesse pelo meu corpo
Pescoço,
Seios,
Barriga,
Buceta.
Meu grelo latejou,
O cu piscou,
A boca salivou,
Mas nada passou do beijo
Naquele momento.

ALGUMA DÚVIDA? ( Cibele Camargo )

 Finalmente ... O vinho !

a novidade do dia é tirar uma dúvida...
o resto pouco importa.
Fatalmente apareceu alguém que finge
ser alguma coisa.

 


 


INOCÊNCIA ( Cibele Camargo )

 O veredicto ?

Sou essa mulher que no quarto as escuras
deixa provas da mais pura inocência
que ela tanto desejou.
E como sempre acontece, envolveu-me toda a alma
e eu não não renunciei a nada.
Foi este momento que escolhi para roubar-lhe a calma .

AZUL (Cibele Camargo, in "A Vida Além da Sua)

 Mistura-se em mim

sobre todos os tons,
azul com azul.
Acidentalmente e em toda direção,
caminha pleno e compassadamente
para mais completa transformação.

LIMITE ( Edgardo Xavier, in "Corpo de Abrigo" )

 Salga-me a boca

na maresia dos teus lábios
túmidos
e despe-me

O amor não se esgota
na lisura das sedes
e antes permanece vivo
de sangue

Doces são os teus dedos
quando me esventram
na pressa de beber-me

26/06/2025

NÃO QUERO TER VOCÊ ( Rupi Kaur )

não quero ter você
para preencher minhas partes
vazias
quero ser plena sozinha
quero ser tão completa
que poderia iluminar a cidade
e só aí
quero ter você
porque nós dois juntos
botamos fogo em tudo


24/06/2025

GAZELA DO AMOR IMPREVISTO ( Frederico García Lorca )

 Ninguém compreendia o aroma

da escura magnólia do teu ventre.
Ninguém sabia que martirizavas
um colibri de amor entre os teus dentes.
Mil potros persas adormeciam
na praça lunar da tua fronte,
enquanto eu enlaçava quatro noites
a tua cintura, hostil à neve.
Entre gesso e jasmins, o teu olhar
era um pálido ramo de sementes.
Procurarei, para te dar, no meu peito
as letras de marfim que dizem sempre.
Sempre, sempre: jardim desta agonia,
teu corpo fugitivo para sempre,
teu sangue arterial na minha boca,
tua boca já sem luz para esta morte.
traduzido por Eugénio de Andrade


I (Mayra Oyuela )

 Toda nudez é medíocre se se está só,

medíocre a alegria,
insuficiente se não é no corpo amado.
Humilhante é toda paixão
se não há mãos para beijar
nem memórias para roer.
Sofrer por amor é paz,
aturdir-se nas frestas de um amor
como a memória primária,
como a necessidade primária
e afogar-se pela inocuidade de um desejo.
Proeminente é o amor,
camafeu sob a pele que não se deixa ver.
A raiva é a parte mais febril dos amantes,
terrível é o amor, terrível
e cada vez é como se fosse a primeira.
Amar é deixar-se devorar,
é toda ausência de sigilo,
amar não é para amantes,
amar é para astronautas
e para pessoas com os pés na terra
e a cabeça no espaço que as dúvidas ocupam.
Mais uma vez como queda em desgraça,
ardente a pálida luz das palavras que convoco,
o bom senso não há de ser meu melhor aliado,
pronta a tudo o que foi dito
alimento com alfabetos as esperanças
que morrem na minha casa
estou perdida!
Retorno,
o amor foi o maior dos meus vícios.

23/06/2025

TODO O MEU DESEJO ( Rosalía Rodríguez Pombo )

 Um espaço livre. Preencho-o de palavras. Piscadas. Chuva. Filmes.

Metástases: o coração estende-se além das pernas da rua.
Meus passos vão com esta música, versos e tambores.
Ressoam as minhas imagens. O corpo não me pesa. E o ar não me faz falta.

Faço amor com os sonhos. E não os conheço de nada. Travessa, cruzo sem olhar, apita-me um carro e volto à terra. Agarro-me por um momento aqui em baixo: impureza controlada.
Olhadas, fujo delas, pego nelas, me matam, me salvam. Transcendo luzes de néon ruídos matemáticos, chego mais abaixo, toco minhas raízes. Cresci como uma alga clorofílica e mais ninguém estava lá, porventura agora sim? Até às ruínas do fundo do mar ninguém pode chegar, e as borbulhas me coroaram rainha de um paraíso indescritível. É incrível mas aqui não se ouve nada. Dissolvo-me, sou líquido, água pura, e a lua me maneja. Não falo, não minto, não quero.
Ouve-se qualquer coisa ao longe, e quando olho já não o vejo. Uma seta cruza meu oxigénio: Uns olhos que olham sem dizer uma palavra. Acompanham-me, as algas se afastam. Nossos corpos movem-se por um impulso que vem de acima, a maré nos eleva. Não percebemos nada.
Nada. O tempo não passa. Ou sim, aqui em baixo não se ouve nada. Ondas submergem-nos mais abaixo. Dentro do fundo e tocamos a areia branca que ninguém pisou. Virgens explorando, movemo-nos pela inércia dos corpos que sobem e baixam. Acima passam furiosas, mais ondas.
Uma espuma choca contra outra, o golpe empurra o meu corpo meu olhar a uma espiral obscura que me trespassa. Não vejo nada. Agito meus braços para acima, a água está viva, me enlaça, solto as minhas pernas, levanto a minha cabeça, para acima, já vamos, chegamos.

Onde estás? Não te vejo.

Fora, longe de casa. Meu outro corpo perdido no oceano.
Acima, o ar seca a minha pele, pesa-me a saliva ancorada na minha garganta. Necessito água.
Volto, revolvo tudo, procuro-o, não o encontro. Agora estou outra vez aqui, onde te perdi. Ruínas azuis. Mas já não há marcas na água. Nadadora, agora, com meta. Perco a minha coroa, navego, agora, num mar vermelho.

Um ruído aparece, quando olho não ouço nada, e chega outra vez, o mesmo olhar.
Não há corpo, não há saída. Seus olhos, me crucificam numa cruz de borbulhas. E  eu só procurava a minha coroa, meu corpo, e me cravas contra isso, contra todoomeudesejo. Dias, passam tantos dias. Estou prestes a afogar, trouxeste-me à terra. Estou nela? E luto, agora luto contra ela ou contra ti que me cravaste a ela, mas primeiro hei de soltar-me para logo agarrar-te. Enfureço a minha vontade, sangro. Não funciona. Quieta, tranquila, fico paralisada. E dissolvo-me, afundo-me no mais infinito do oceano. Transparente, puro mar. Liberdade. Nado para ti. Não podemos tocar-nos, misturamo-nos, não tens corpo, só duas asas, e a minha alma.
Tradução do castelhano: Alfredo Ferreiro Salgueiro

22/06/2025

ARREITADA DONZELA EM FOFO LEITO (Manuel Maria Barbosa du Bocage)

 Arreitada donzela em fofo leito

Deixando erguer a virginal camisa,

Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras subtis pachocho estreito.

De louro pêlo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branda crica nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito.

A voraz porra, as guelras encrespando,
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrando.

Como é inda boçal, perder os sentidos;
Porém vai com tal ânsia trabalhando,
Que os homens é que vêm a ser fodidos.

20/06/2025

PROTUBERÂNCIA ( Ana Cristina Cesar)

 Este sorriso que muitos chamam de boca

É antes um chafariz, uma coisa louca
Sou amativa antes de tudo
Embora o mundo me condene
Devo falar em nariz(as pontas rimam por dentro)
Se nos determos amanhã
Pelo menos não haverá necessidades frugais nos espreitando
Quem me emprestar seu peito ma madrugada
E me consolar, talvez tal vez me ensine um assobio
Não sei se me querem, escondo-me sem impasses
E repitamos a amadora sou
Armadora decerto atrás das portas
Não abro para ninguém, e se a pena é lépida, nada me detém
É sem dúvida inútil o chuvisco de meus olhos
O círculo se abre em circunferências concêntricas que se
Fecham sobre si mesmas
No ano 2001 terei (2001-1952=) 49 anos e serei uma rainha
Rainha de quem, quê, não importa
E se eu morrer antes disso
Não verei a lua mais de perto
Talvez me irrite pisar no impisável
E a morte deve ser muito mais gostosa
Recheada com marchemélou
Uma lâmpada queimada me contempla
Eu dentro do templo chuto o tempo
Um palavra me delineia
VORAZ
E em breve a sombra se dilui,
Se perde o anjo.

INSCRIÇÃO ESTIVAL( David Mourão Ferreira )

 Ó grande plenitude!


E a tudo
a tudo alheio,
saboreio.

Absorto
sorvo
este cacho de uvas
tão maduras...

Este cacho de curvas que é o teu corpo.

FLORBELA EM CANTO ( Renata Bomfim )

Para a Soror Saudade 

No claustro, o silêncio ensurdece.

Fado? A alma resiste e canta.

Da mouraria chegam ecos de vozes distantes.

Torres de marfim e vitrais formam

paços adornados com lágrimas e cristais,

gotas brilhantes que correm pela face das monjas

e são, caprichosamente, colhidas

pelas mulheres e por homens que versejam em Portugal.

 

Ouço dizer de Princesas ornadas.

De virgens pálidas e febris

refletidas em vitrais espetaculares.

Seus sexos são cobertos por violetas maceradas

que perfumam e inebriam os pensamentos,

desviando os caminhos de quem passa.

 

Seus sonhos sensuais aquecem o frio das celas de ouro.

A simplicidade de seus gestos contrasta com

o tesouro: pérolas e jades que saem de suas bocas

rosadas.

- Oh! Roseirais e lírios que perfumam os campos!

- Oh! Árvores que guardam os ninhos dos rouxinóis,

levem este canto, espalhem este odor e retornem plenos.

Tudo o que vejo é santo, é vivo, causa espanto:

O universo, o caos, a beleza...

- Astros dispersos iluminam verbos e letras e inquietam

amantes que nunca se tocaram, e despertam na

memória
imagens que insistem em ir para além de mim.

 

ADÃO E EVA (José Régio )

 Olhámo-nos um dia,

E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.

– E cada um de nós sonhou que o achara.

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.

– Meu nome é Adão.

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
– Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado.
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe.

Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce.

Depois...

Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
– Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada.

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!

VIVA O AMOR ( Renata Bomfim )

 E em que furor sagrado

Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
(José Régio)

celebremos o amor!

 

amo-te, sim,

e não é de hoje.

amor insólito,

estrambótico,

enviesado, esse meu.

ele faz com que eu veja coisas

que não existem,

imagine realidades loucas.

amor doente.

(sim, o amor pode ter febres),

amor ardente,

as vezes al dente,

pois, te devoro

até não sobrar haveres.

amor estropiado

pirado, maltratado,

as vezes, o último na lista.

mas, não culpemos o amor

(essa coisa lindinha)
pelos nossos tropeços,
desmedidas, fins e recomeços,
o amor precisa ser poupado
do ódio, das intrigas,
do tédio cotidiano.

 

viva o amor de casca fina,

verde e azedinho como um kiwi.

viva o amor cantado em verso e prosa

que adoça a minha boca

e amarga da garganta aos rins.

viva o amor!

viva, viva,

sempre!

EUS (Renata Bomfim )

 Meus duplos

querem tudo!

O doce e o azedo

o prazer e a dor.
Me querem toda

devorada

reduzida.

Eus de mim que não

se entendem e se deixam possuir.

Camadas de peles nuas

peles por sobre os pêlos

suores e agonias.

Saudades da unidade perdida

Eu, ovo,

Ova

guardada no saco

do escroto,

balizada n'água da bacia,

purificada

dos pecados dos outros!

 

O PRAZER DE SALOMÉ ( Renata Bomfim )

 Ao poeta Antônio Miranda

A pureza, que coisa mais obscena!

 

Depois de dançar

Ao som da lira negra,

A réptil inviolada

Fez amor pela primeira vez.

Seu corpo era todo um jardim

Recém- nascido da paleta de Moreau.

Dos seus seios fatais brotavam

Safiras, ágatas, pérolas e rubis.

Salomé trazia no sangue a fúria

De Herodíade,

E a morte nos olhos de prata.

Naquela noite

Feita de angústias estéreis

(e solitárias),

Dois homens perderam

A cabeça.

SANHAS DE DEUSAS ( Nazaré Machado )

 Quero ser tua

quando a água da chuva
molhar meu corpo inteiro.
E quero nua e fresca
rescendendo a frutos
amadurecidos
escorrendo gotas de êxtase
primeiro
enxugar-me loucamente
no mormaço do teu corpo
enfebrecido.

SITIADA ( Carmen Borda )

 por milhares de palavras

                   que rondam minha cama

                                      meu quarto

                                               minha casa

me espreitam

                   com milhares de olhos brilhantes

                                               no meio da noite

                   se alinham escrevendo poemas

tentando conquistar-me

 

                   mas sei

                            que me aprisionam

                                      com suaves correntes

                                               impossíveis de romper

e pelas noites

                   acorrentada

                            me arrosto até a janela

e comprovo

                   que desde o infinito

                            também

                                      despencam palavras