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setembro 17, 2024

COISAS DE PARTIR ( Ana Luísa Amaral )

 Tento empurrar-te de cima do poema

para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo,
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.

Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir.
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?

E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?

Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.

IV ( Luiza Neto Jorge )

Gasto-me à espera da noite
impraticável
fiel
sugo os lábios da noite
invariável caio
nos poços da noite
Gasto-me à espera da noite alheia
amassada de gargalhadas doces e areia
Amor anoitecido vem
tecer-me um vestido
nocturno
Atraiçoo os anúncios luminosos
até a lua nova sabe a ausente
- e eu anavalhei-te com naifas de ansiedade -
Estou à espera da noite contigo
venham as pontes ruindo sob os barcos
venham em rodas de sol
os montes os túneis e deus
Estou à espera da noite contigo
livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte
estou
à espera
da noite

setembro 16, 2024

EXALTAÇÃO DA PELE ( Natália Correia )

 Hoje quero com a violência da dádiva interdita.

Sem lírios e sem lagos

e sem o gesto vago

desprendido da mão que um sonho agita.

Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu

suspensa de mundos cintilantes pelas veias

metade fêmea metade mar como as sereias









WELL FUCKED ( Flá Perez )

 É muito bonita essa coisa de língua e dedo,

todo esse platonismo aflito,
auto satisfazendo o corpo
sem ter nenhuma vergonha ou medo.
Mas me desculpem as meninas
e os senhores que não tem pau:
ele é fundamental.

USE OS MEUS BEIJOS ( Enide Santos )

Use os meus beijos,
para se satisfazer.
Cada um com um sabor
todos dedicados a você.

Use os meus beijos,
abundantemente quentes,
Deliciosamente ardentes,
para encharcar-te de prazer.

Use-os molhados,
Utilize-os dedicados.
Busque novas texturas,
Aproveite-os com gula.

São nos meus beijos,
que encontrara,
toda a minha “fúria”

em possuir você. 


setembro 15, 2024

SEU CORPO NU ( Jesús Ángel Morato )

 seu corpo nu

no mar.

A onda vai,

brinque com seus seios,

bola e veleiro,

laranja e limão.

A onda vai.

É o suficiente para você.

Eu jogo você de volta.

limão e laranja,

Suas nádegas são meu barco.

Para trás

Eu brinco com seus seios.

Avançar,

Que isso não chegue até você.

No mar,

seu corpo nu

flutua em meu ser.

Eu sou um marinheiro,

embarcou em seu veleiro.

uma onda está chegando

e eu me agarro ao seu pescoço.

No mar,

seu corpo nu

brinca entre meus dedos.

Limão e laranja,

laranja e limão,

e a garota brinca

com os marinheiros.


AMOR ( Carmem Salamanca )

 Só porque meus seios cabem

em suas mãos não significa que
nascemos para nos amar.

Nem que minhas coxas
se adaptem como
peças de um quebra-cabeça à sua cintura.

Amo minha história de você,
guardada com amor em suas membranas,

Adoro despertar de você,
guardião do meu sonho, seu peito côncavo.

Amo meu futuro de você,
um caminho pavimentado à luz dos versos.
E não tenho palavras de consolo,
se quisesse vibrar nas tuas carícias,
se quisesse,
apoiar-me-ia no
bordo obtuso dos teus lábios,
e como faz a pele, entre tremores
perder-me-ia no vale sonoro dos teus voz.

ORAÇÃO ( Juan Gelman )

 Habite-me, penetre-me.

Deixe seu sangue ser igual ao meu sangue.
Sua boca entra na minha boca.
Seu coração aumenta o meu até explodir.
Me destrua.
Você cai inteiro em minhas entranhas.
Deixe suas mãos andarem em minhas mãos.
Seus pés andam sobre meus pés, seus pés.
Queime-me, queime-me.
Encha-me com sua doçura.
Deixe sua saliva banhar meu paladar.
Você está em mim como a madeira está no pau.
Não aguento mais assim, com essa
sede ardente.

Com esta sede me queimando.

A solidão, seus corvos, seus cães, seus pedaços.


PONTO G ( Carmen Matute )

 Um sangramento lento

rastreável

até a beleza mais pérfida

ao mistério da carne indefesa


um cego se acorrenta

para a vida

no meio da umidade secreta

fingindo ser uma criatura marinha

ou talvez demônio

cúmplice de um anjo

ganancioso e triste


um sangramento

uma corrente

uma agonia feroz

entre a luz imprecisa e virgem

de um eclipse

lábios e olhos fechados

mas aberto

perdido

florido


setembro 14, 2024

ESPELHO ( Sylvia Plath ) (Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maurício A. Mendonça)

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo no mesmo momento
Do jeito que é, sem manchas de amor ou desprezo.
Não sou cruel, apenas verdadeiro —
O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.
O tempo todo medito do outro lado da parede.
Cor-de-rosa, malhada. Há tanto tempo olho para ele
Que acho que faz parte do meu coração. Mas ele falha.
Escuridão e faces nos separam mais e mais.

Sou um lago, agora. Uma mulher se debruça
sobre mim,
Buscando em minhas margens sua imagem
verdadeira.
Então olha aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e a reflito fielmente.
Me retribui com lágrimas e acenos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã seu rosto repõe a escuridão.
Ela afogou uma menina em mim, e em mim uma velha
Emerge em sua direção, dia a dia, como um
 peixe terrível.


SONETO DO SONO ( Ruy Espinheira Filho )

A tarde é tão serena que parece
vir do hálito que sobe do teu sono.
Vejo-te a ir nas nuvens do abandono,
comovido de calma. A tarde desce

ao longe, sobre o mar. Mas lenta e leve,
que assim a exala o sonho desse sono.
E tudo, enfim, é o sopro do abandono,
como o seu sussurrar na mão que escreve.

Dormes como num voo. Como se fosse
quando o tempo era jovem. E me sinto
pleno de mar e luz e céu — e sou

soberbo e claro por estar absorto
no abandono desse pó de estrelas
que se juntou para inventar teu corpo.

OLHANDO AS ILHAS ( Ledusha B. A. Spinardi )

a primeira nuvem fosca nos olhos
a primeira alegria talhada no vácuo
o namorado esteta que chorava à toa
o atlas que homem nenhum me deu

CENA ÍNTIMA ( Ledusha B. A. Spinardi )

Outubro termina a bordo de um ventinho de cambraias, perfeito para cílios e lábios. Ainda há borboletas soprando o véu da primavera. Do
outro lado da rua, através dos brincos-de-princesa na treliça que contorna a varanda, posso sentir o coração de um sabiá pulsar ao
compasso solitário de um assobio. A luz da tarde anuncia subitamente escuros, abafa-se, e logo a tempestade cai, despenteando o cenário com raios esplêndidos. Cai estrondosa e se vai, deixando a tarde fresca e perfumada. Nos intervalos entre gotas tardias, pesco um
sentimento ímpar de plenitude. Mosaicos de folhas e galhos repousam no asfalto cravejado de granizos.

ENSINAMENTO ( Adélia Prado )

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
'Coitado, até essa hora no serviço pesado'.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

 



O CORPO AMOROSO DO DESERTO ( Micheliny Verunschk )

Teu corpo
branco e morno
(que eu deveria dizer sereno)
é para mim
suave e doloroso
como as areias cortantes
dos desertos.
Que importa
que ignores minha sede
se tua miragem
é água cristalina.
E a miragem eu firo com mil línguas
e cada uma é um pássaro
a bebê-la.
Ferroam a minha pele
escorpiões de fogo e sol
com seu veneno
e vejo,
magoada de desejo,
os grãos tão leves
indo embora ao vento.


setembro 12, 2024

CONTOS DO JARDIM ( Sofia Lopes )

 Já ouvimos esta história

Mil vezes, não ouvimos?

Desponto de teu peito,

Límpida e desnuda

Para alentar tua fome

E aquecer teu frio

 

Mas os relatos subtraem

O momento em que desabrocho

E, sempre insensato, rompes

Uma costela — precisa, aguda

Para cravá-la em meu dorso

E tingir-me a tez de rubro

 

(Então jazemos, enredados, mão

Ao pescoço, dentes à pele,

Solo envolto em carmesim

Onde se desfazem os fios

De minha carne —

Logo, sucumbo)


Mas os deuses, sempre ímpios,

Ainda assim me desterram;

Então, deixo os campos

Empíreos — só, à deriva

Para descingir nossos laços

E me livrar de tuas garras


E minhas veias cantam, em tumulto

E alívio, cada vez que percorro

As ruas, pena e espada em punho

E gentil furor em meu seio

Para te lavar de minhas mãos

E te expulsar do meu ventre.