Seguidores

01/03/2025

O CORPO TENDIA PARA A CRUCIFICAÇÃO (Helena Costa Carvalho)

 O corpo tendia para a crucificação

o justo golpe em espaço livre no tempo em que
a tarde queimava num banco de jardim
e os seres sonhavam a geração inteira na sua sobrevida,

o dorso quente sobre a madeira a exalar
temores, respingos de ar
a fome cortesã.

Éramos o alvorecer, os deuses juvenis a que Deus
dava calor e bênção, assombro térmico
de mão vulcânica sobre as frontes mornas
quase aéreas
despregadas pela compaixão.

Do corpo sabia-se pouco mais que a ânsia
replicada a cada ano, ouvia-se dele
o sopro avulso
o assobio do cutelo raiando o sexo,

sabia-se por vezes a seda mínima
fugitiva,

e um odor de especiaria adocicando parques
e caves íntimas, incenso-fátuo
nas tardes que ebuliam precoces
de tanto verão.