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outubro 04, 2024

MAIS BEIJOS ( Judith Teixeira )

 Devagar...

outro beijo ou ainda.
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!

Mais beijos!
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!

Sim, amor
deixa que se alongue mais
este momento breve!
que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!

ESPIGA ( João Morgado )

O meu corpo
tombado na cama
como trigo vergado na eira
é um corpo
onde vadiou a chama
flamejante e altaneira.

Mas este corpo
não é ainda trigo ceifado
pois tem seiva, força, raiz
é apenas um corpo
saciado, em deleite e descansado
na eira dos corpos viris.

Vem, seduz o meu corpo
sorve a haste sob o lençol
sussurra uma doce cantiga
e verás o meu corpo
erguer-se aprumado ao sol

mostrando a força da espiga. 


outubro 03, 2024

ENCONTRO ( Natália Correia )

Como se um raio mordesse
meu corpo pêro rosado
e o namorado viesse
ou em vez do namorado

um novilho atravessasse
meus flancos de seda branca
e o trajecto me deixasse
uma açucena na anca

como se eu apenas fosse
o efeito de um feitiço
um astro me desse um couce
e eu não sofresse com isso

como se eu já existisse
antes do sol e da lua
e se a morte me despisse
eu não me sentisse nua

como se Deus cá em baixo
fosse um cigano moreno
como se Deus fosse macho
e as minhas coxas de feno

como se alguém dos espaços
me desse o nome de flor
ou me deixasse nos braços
este cordeiro de amor

AS ROSAS CHORAM ( Isabel Morais Ribeiro Fonseca )

 Quando as rosas choram

As lágrimas transformam
As palavras em silêncio
Os sonhos ficam quietos
As pétalas perfumam o ambiente
E os amantes vivem momentos
Loucos de euforia apaixonante
Numa linguagem que só elas percebem
E quando as rosas choram
Os beijos são carícias perfumadas
E os abraços são desejos em volúpia



NÃO VOU PÔR-TE FLORES DE LARANJEIRA NO CABELO (Joaquim Pessoa)

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

ELEGIA COM UMA VARIAÇÃO ROMÂNTICA ( Nuno Júdice )

As mulheres loucas arrumam os quartos, fazem
as camas desfeitas, empilham camisas e calças,
abotoam os cintos do infinito, prendem os laços
da sombra. Com os seus olhos cegos, enfiam
agulhas no buraco da vida, cosem as feridas
do amor que não tiveram, cantam devagar
a canção da idade fria. Dispo essas mulheres
no meu poema; espalho as suas roupas pelas cadeiras
do quarto; abro a cama onde as deito; rasgo
os pontos que acabaram de coser. O seu sexo -
seco pelos ventos de uma inquietação nocturna
- humedece-me os dedos. Desfolho os dias de março
enquanto desfloro os seus lábios. Por vezes,
as mulheres loucas abrem a porta da varanda,
respiram o perfume das trepadeiras brancas
da primavera, desmaiam com o sol.

outubro 02, 2024

DESCOBERTA ( Carlos Drummond de Andrade )

O dente morde a fruta envenenada
a fruta morde o dente envenenado
o veneno morde a fruta e morde o dente
o dente, se mordendo, já descobre
a polpa deliciosíssima do nada.