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31/10/2024

EVA ABRIU A ARCA ( Filipa Leal )

 Eva abriu a arca, dela retirou o pó e a serpente em forma do coração. A nudez de todas as coisas começou a assombrá-la. Percorria a pele com aquela forma indefinida. Colocou-a sobre a árvore como se a coroasse. Depois sentou-se, e chorou.  Sentia um profundo cansaço. Não dormira durante muitos dias, porque quisera estar atenta. Tão atenta. Agora não sabia descansar. Não sabia como ocupar o espaço. Não havia, em suma, um lugar que não fosse dessa árvore que se tornara branca como as paredes e as maçãs agora apodrecidas a um canto, gastas.


PÊNDULOS ( Luis Rodrigues )

 Que todos os pêndulos sejam pontes

entre mim e parte incerta

Que todas as pontes sejam pernas
alvos de púrpura e cetim

Que todas as pernas sejam frutos
só sem mais nada ou ninguém

DEUS ( Luis Rodrigues )

 Deus não faz esforço

para ser Deus
é naturalmente

Como uma flor é uma flor
ou uma pedra é uma pedra
assim és tu


29/10/2024

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA ( Sophia Mello Breyner Andersen )

 Para que ela tivesse um pescoço tão fino 

Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule 
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos 
Para que a sua espinha fosse tão direita 
E ela usasse a cabeça tão erguida 
Com uma tão simples claridade sobre a testa 
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes 
Servindo sucessivas gerações de príncipes 
Ainda um pouco toscos e grosseiros 
Ávidos cruéis e fraudulentos 
Foi um imenso desperdiçar de gente 
Para que ela fosse aquela perfeição 
Solitária exilada sem destino

25/10/2024

O MELHOR DE TUA VIDA (Manuel Alejandro)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

 Foste minha,

só minha, minha, minha,
quando tua pele era fresca
como a grama molhada

Foste minha,
só minha, minha, minha,
quando tua boca e teus olhos
de juventude se cobriam

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando teus lábios de menina
meus lábios os estreavam

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando teu ventre era ainda
uma colina fechada

O melhor de tua vida
o tenho levado eu
o melhor de tua vida
o tenho desfrutado eu.
Tua experiência primeira
o despertar de tua carne
tua inocência selvagem
a tenho bebido eu
a tenho bebido eu.

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando o teu corpo era espiga
de palma recém plantada

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando fechavas os olhos
e apenas eu me aproximava

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando tremiam tuas mãos
tão somente se as roçava

Foste minha
só minha, minha, minha,
quando teu ontem não existia
pensavas só no amanhã…

POEMA DE AMOR (Joan Manuel Serrat)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

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EQUIVOCOU-SE A POMBA (Rafael Alberti)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

 Equivocou-se a pomba.

Equivocava-se.

Por ir ao norte, foi ao sul.
Acreditou que o trigo era água.
Equivocava-se.

Acreditou que o mar era o céu;
que a noite a manhã.
Equivocava-se.

Que as estrelas orvalho;
que o calor, a nevasca.
Equivocava-se.

Que tua saia era tua blusa;
que teu coração, sua casa.
Equivocava-se.

(Ela dormiu na beira
tu, no topo de um ramo).

SINAIS (Piedad Bonnett)(Trad:.Maria Teresa Almeida Pina)

 A lua brilha com esse furor cego

que é sinal inequívoco
de que há chegado o tempo fértil do sacrifício.
Cheira à pele rajada dos tigres,
a orquídea que se abre,
ao húmus que a chuva começa a escurecer.
Em um sonho de rios e serpentes
naufraga a jovem envolta em pranto
e seus seios novos se estremecem
com um tremor antes desconhecido.
A boneca que abraça tem os olhos mortos.
E o anjo da guarda
marca uma cruz com sangue sobre suas coxas brancas.

OBRIGADA À VIDA (Violeta Parra)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

 Obrigada à vida

que me deu tanto
Deu-me dois olhos
que quando os abro
perfeito distingo
o preto do branco
no alto céu seu fundo estrelado
e nas multidões o homem que eu amo.

Obrigada à vida
que me deu tanto
Deu-me o ouvido
que em toda sua extensão
grava noite e dia
grilos e canários
martelos, turbinas, latidos, chuvaradas
e a voz tão terna do meu bem amado

Obrigada à vida
que me deu tanto deu-me o som
e o abecedário
com ele as palavras
que penso e declaro
“mãe, amigo, irmão”
e a luz, iluminando
o rumo da alma do que estou amando

Obrigada à vida
que me deu tanto
Deu-me a marcha
dos meus pés cansados
com eles andei
cidades e charcos
praias e desertos, montanhas e planos
tua casa, tua rua e teu pátio.

Obrigada à vida
que me deu tanto
Deu-me o coração
que agita seu marco
quando olho o fruto
do cérebro humano
quando olho o bom tão longe do mal
quando olho o fundo de teus olhos claros

Obrigada à vida
que me deu tanto
Deu-me a risada
e deu-me o pranto
assim distingo
felicidade de fraqueza
os dois materiais que formam meu canto
o canto de todos que é o mesmo canto
o canto de todos que é meu próprio canto Obrigada à vida!

PONTE INVISÍVEL (Marilina Ross)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

 Estás…

estás em mim
embora não estejas aqui.
No canto
mais quente
onde guardo o amor.
Entras
e te instalas
com naturalidade
em cada cavidade
e sei também
Que estou
batendo igual
dentro de ti
no lugar
do grande prazer
e a grande dor.
Pela
ponte invisível
para os demais
navega
vela ao vento
nossa liberdade
de amarmos
contra todos
e apesar
de tempos
de distâncias
porque do mesmo modo
estás
Estás
estás em mim
embora não estejas
hoje aqui.

Silêncio! (Rosalía de Castro)(Tradução: Henrique Pina)

 Silêncio!

A mão nervosa e palpitante o seio,
as névoas nos meus olhos condensadas,
com um mundo de dúvidas nos sentidos
e um mundo de tormentos nas entranhas,
sentindo como lutam
em sem igual batalha
imortais desejos que atormentam
e rancores que matam.
Molho no próprio sangue a dura pluma
rompendo a veia inchada,
e escrevo, escrevo, para quê? Voltai
ao mais fundo da alma, 
tempestuosas imagens!
Ide a morar com as mortas lembranças!
Que a mão trêmula no papel só escreva
palavras, e palavras, e palavras!
Da ideia, a forma imaculada e pura,
onde ficou velada?

NAVEGAÇÃO (Cristina Peri Rossi)(Trad:.Maria Teresa A. Pina)

 Nas mansas correntes de tuas mãos

e em tuas mãos que são tormenta
na nave divagante de teus olhos
que têm rumo seguro
na redondeza de teu ventre
como uma esfera perpetuamente inacabada
na morosidade de tuas palavras
velozes como feras fugitivas
na suavidade de tua pele
ardendo em cidades incendiadas
no lunar único de teu braço
ancorei a nave.
Navegaríamos, se o tempo houvesse
sido favorável.

NÃO ME MANDES PARA O CANTO ( Diana Bellessi )(Trad:.Santiago Kovadloff )

 Quando digo a palavra

nuca
chupo-te suavemente
até afundar
o dente aqui?
Acaso estou te tocando?
Quando digo bico do peito
a mão roça
as dilatadas rosas dos peitos teus?
Toco-te acaso?
Toca, língua, acaso o canto
de meus lábios e aprisiona
na vasta cavidade do corpo
que deseja ser tocado e cingido
por tua língua quando nomeia
por minha boca a palavra língua, acaso?
Não me mandes para o canto
Não faças de mim a testemunha
que se olha te tocando com palavras
É a mão nomeada
não o nome
que deseja aprisionar tuas nádegas
– Fala-me
– Como será?
– O quê?
– Tua voz
Fogo oculto na madeira
do fogo que se expande?
É assim que será?
O corpo de tua voz
no instante em que
não me mandes para o canto
Flui mel das romãs
Não quero
tocar um fantasma
nem quero
a fantasia cortês
do trovador à sua dama
É a você, minha amada
áspero corpo da amiga que desejo
Gesto
de mútua apropriação
instante
onde não se sabe
os limites do tu, do eu
O nome e o nomeado
em tersa conjunção que sabe
não durará
e sabe
é mais eterno
que o gume de um diamante
Alegre
relâmpago de garra
e de mordedura
animal
o mais belo de todos
o instinto
impera aqui
Sua voz não tem tradução
Verbal moeda de intercâmbio
não
Só o audaz abraço, minha amiga,
responde aqui

A CARÍCIA PERDIDA ( Alfonsina Storni )(Trad:. Carlos Seabra)

 Sai-me dos dedos a carícia sem causa,

Sai-me dos dedos…No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?

Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará… andará…

Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.

Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?


 

SOLIDÃO ( Rainer Maria Rilke )

 A solidão é como uma chuva.

Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios…


23/10/2024

ACONCHEGO - TE AOS POROS ( Célia Moura )

 Aconchego-te aos poros

O sal dos dias
Na lânguida clareira
Onde hirtos mamilos
Escorrem nascentes
Só para regressar
À lúcida embriaguez de mim,
Masturbação rodopiando nenúfares
E carmim
Ao longo da velha casa branca
Numa despedida
De todos os silêncios.

IRÁS RODOPIAR EM MEU UMBIGO ( Célia Moura )

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DESLUMBREI - ME NO TEU LEITO DE CÂNTAROS ( Célia Moura )

 Deslumbrei-me no teu leito de cântaros

Onde dantes vinha morrer o enxofre do meu corpo
Em beijos de Chopin,
Musgo,
E clareiras de gritos que soaram de ti
Nesta Terra de sangue, sacrifício, mentira,
Meu doce licor,
Amada minha,
Bandeira içada ao meu tormento
Mestre de lamento,
Safira de esperma lançado ao Oceano da loucura
No teu corpo repleto de jasmim,
Ouso morder toda a poesia.

AS ÁRVORES MORREM DE PÉ ( Célia Moura )

 Rubras eram as portas rasgadas de par em par

do teu sorriso,
entre negros corvos, ao entardecer das palavras já ditas
porém sempre novas,
Meu amor
e tuas mãos regressando a mim, enlaçando seda
nos meus cabelos de água pura,
caindo caravelas de pérolas pelos meus seios de esperança.

Revejo-te ainda entre as crianças,
rodopiando a "fogueira de todas as vaidades",
como se fosses uma árvore hirta num caos de
tantas vozes.

Ousada era a tua voz, meu amor, meu amante, meu amigo!
e terna, tal como um pintassilgo
porém, fazias redemoinhar ao vento norte, paixões!

Percorre-me a púbis em terras de Abril,
aquelas fervorosas noites em que falavas Liberdade
e me amavas sôfregamente entre o cais da cidade,
ou os longos pinheirais

Infernais eram as tochas das daninhas mãos
que num dia de bréu e horror te levaram de mim
sempre a acenar,
sempre
e eu a ti.

Soube que te mataram,
quando um pequeno rouxinol
me caiu morto no regaço
na manhã seguinte.

Ó meu amor,
que lauta cascata virá agora inundar-me Vida
e escorrer-me pelos seios?

Ó meu grande amor roubado,
que resto viúva de ti
em segredo, sem um anel cravado no dedo
mas com uma aliança cravada no ventre,
tua semente.

Meu amado,
em ti me cesso, por ti me visto.
O teu nome há-de ser nosso filho
e será Liberdade.

SER LAVRA DE TI ( Célia Moura )

 Canta-me um novo hino

Amor
Enquanto as outonais folhas
Nos afagam os corpos quentes
Enlaçados num murmúrio de vento.

Só a lua nos contempla, só ela poderá abençoar
O filho que de nós há-de brotar,
Aqui neste chão de chuva,
Nesta terra que já foi de lavra.

Meus ancestrais nos saúdam
Com um vinho novo
Bebamos amado,
Bebamos da mesma colheita
Eis a celebração da Vida!

Saciemos finalmente nossa sede,
Longínqua ficou a travessia pelo deserto
Sejamos gratos à Luz que nos guiou,
Prestemos vénias,
Cantemos um novo hino!

Cobre-me somente com teu corpo
Meu instinto,
Nada mais preciso, nada mais insisto.

Permanecer lavra de ti, ser útero, ser semente.


SOMENTE O VÉU DAS MINHAS LÁGRIMAS ( Célia Moura )

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VIM DE BEIJAR OCEANOS ( Célia Moura )

 Vim de beijar oceanos

rainha das águas me deixou.
Entrelaço meus cabelos aos teus dedos,
as mãos nas mãos
e que me firam lanças,
se de minha boca não ousarem
gargalhadas de prazer e alegria
quando de nossos lábios destilar preciosa casta
num andar desajeitado,
filho de colheita já madura
nesse teu corpo pintado
de mel
que estremece este ventre
onde sussurram búzios!

Vim com a maresia
e todo este meu corpo submergido
voou.

TRAGO AO PEITO ( Célia Moura )

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