Seguidores

fevereiro 10, 2017


POEMA OBSCENO(Renata Bomfim)
Que lento corpo
de mulher sentada.
Que doce invento
o do ventre incerto.
Que areia cedo
ou que mar deserto
Que sol de perda ou de berço aberto.
(Poema a uma mulher chamada Mariana, morta por suicídio 
em 11 de agosto de 1971. Novas cartas portuguesas)


Quis fazer um poema obsceno.

Eu, cantora do frescor sensual das rosas,
E da esperteza do pássaro citadino
Que mata o tempo na árvore da calçada,
Quis fazer um poema obsceno.

Ah, que paranoica a busca
Pela eloquência!
Quase sempre dá em nada!

Minha nudez já foi revelada!
Sou alma sem grandes mistérios,
Alma de gato pardo.
Um torrão de açúcar que se desfaz
Decepcionando aqueles que esperam
Pelo prometido fel.

É obsceno capturar
Pedaços da vida de alguém e transformá-los
Em poesia.
Perdão!

O preço do pão integral é obsceno,
O do leite, também!
É obsceno inseminar a vaca e roubar
O leite do filhote para vendê-lo
Por um preço obsceno.
Obscenidade sobre obscenidade.

Viver é obsceno, eu sou obscena,
Você é obsceno, eles são obscenos,
É obsceno infringir dor,
A TV é obscena, o plano de saúde é obsceno,
A falta do plano de saúde é obscena,
A falta de saúde é obscena, é obscena
A engrenagem enferrujada que
Faz barulhos infernais.

A mulher foi chamada para reconhecer
O corpo do filho morto.
−Não pode ser ele! Até se parecem, mas,
Definitivamente não é! Não!
Os olhos... os olhos do meu filho,
Eu jamais os confundiria!
Meu filho tem um brilho no olhar,
Já este...
A mulher chorou!
Chorou porque seu filho já não era.
Chorou porque seu filho sempre seria.
Ela enterrou um estranho que
Lembrava muito o seu filho, mas,
Que tinha os olhos tristes, cinza.

Amou aquele rapaz, assim como amava ao seu filho.
Seu coração estava abrasado, queimava:
Compaixão! 
Tudo nela gritava:
Ah, Dor que lancina o peito e põe à prova a alma!
Ah, Solidão sorrateira que vem na esteira da vida!

A mulher tinha, agora, dois filhos:
O de olhar ensolarado pela memória e
Outro com os olhos recobertos por nuvens sombrias
De nostalgia e de saudade.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário