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julho 01, 2024

DESLUMBRAMENTOS ( Cesário Verde )

 Milady, é perigoso contemplá-la,

Quando passa aromática e normal,

Com seu tipo tão nobre e tão de sala,

Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que isso a desgoste ou desenfade,

Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,

Eu vejo-a, com real solenidade,

Ir impondo toilettes complicadas!

Em si tudo me atrai como um tesouro:

O seu ar pensativo e senhoril,

A sua voz que tem um timbre de ouro

E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina.

E é, na graça distinta do seu porte,

Como a Moda supérflua e feminina,

E tão alta e serena como a Morte!

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,

Britânica, e fazendo-me assombrar;

Grande dama fatal, sempre sozinha,

E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,

Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;

Como um florete, fere agudamente,

E afaga como o pelo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,

E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,

O modo diplomático e orgulhoso

Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

 

E enfim prossiga altiva como a Fama,

Sem sorrisos, dramática, cortante;

Que eu procuro fundir na minha chama

Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,

Que hão de acabar os bárbaros reais;

E os povos humilhados, pela noite,

Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,

Sob o cetim do Azul e as andorinhas,

Eu hei-de ver errar, alucinadas,

E arrastando farrapos – as rainhas!