rasgou-se a parede com as unhas.
não foi flor -
foi unha,
foi nervo.
o sangue seco nas bocas
ainda sabe a quartel.
diziam:
calem-se.
baixem a saia.
cortem a rádio.
rezem ao retrato.
morram de mansinho.
mas alguém trepou o medo.
alguém cuspiu no chão do patrão.
alguém gritou tão alto
que a palavra liberdade
abriu as coxas da madrugada.
e não foi bonito.
teve cheiro de suor e de pólvora,
teve homens com medo a chorar
no meio da multidão,
teve mulheres com cravos no útero
a parir o país outra vez.
os tanques eram mães
com dentes cerrados.
a cidade, um útero sujo
cheio de gente a nascer
fora do prazo.
não me venham com discursos.
abril não é palco -
é ferida aberta,
é língua mordida,
é orgasmo interrompido,
é a sujidade que fica nas mãos
de quem tocou o impossível.